Certa vez, quando eu era pequena, estava distraída a olhar um livro de artes que guardava poeira na estante da casa da minha avó. Meu pai, ao ver sua filha do meio analisando aquelas páginas amarelentas e saboreadas por cupins, sentou-se ao lado e sorriu. - Está vendo esta pintura, filha? É Mona Lisa – disse meu pai, com o carinho que os adultos sentem aos domingos. - Por quê ele está com cara de quem quer ir no banheiro? – Perguntei, náufraga na ingenuidade da quinta primavera. Morto de rir, meu pai questionou: - De onde tiraste essa ideia, menina? - Porque ele está segurando a barriga e tem cara de agonia. O homem riu mais. Recobrado das gargalhadas, ainda com água nos olhos, disse: - Querida, a Mona Lisa é uma mulher. Em italiano, o quadro se chama “La Gioconda”, que significa “A Sorridente”. Mas sua expressão é um mistério. Não sabemos do que ri, e se de fato ri. Fechamos o livro e o devolvemos à estante de minha avó. Almoçamos frango assado, enquanto eu pensava no tal sorriso de gato. Outros almoços vieram, outros livros de arte, outras gargalhadas de meu pai e muitas outras primaveras. Mas, foi durante um verão da adolescência que me descobri sorrindo como Mona Lisa para meu primeiro namorado. Meu sorriso era de tédio e apatia. É possível que há 512 anos, Mona Lisa também estivesse sorrindo sem vontade por conta do calor, do tédio, de um segredo ou de um choro que nunca fora chorado. Todas as mulheres e todos os homens tem seu sorriso de Mona Lisa, que para mim é como o iceberg: o que vemos é um pequeno sorriso, mas nunca saberemos o tamanho do mistério mergulhado em um passado em sépia
