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Uma tentativa de "cura gay" que envolveu três psicólogos e até exorcismo

Filipe Bortolotto só foi aceito como homossexual pela mãe quando ela estava prestes a morrer vítima de câncer: "O que mais me dói nessa história toda foi a perda de tempo."

Quando a mãe do publicitário Filipe Bortolotto, 25, descobriu que ele era homossexual, ela o submeteu a cultos religiosos e a uma bateria de psicólogos para tirar "aquela coisa ruim" que havia dentro dele.

Filipe tinha 15 anos e chegou a acreditar que sua sexualidade era mesmo algo ruim e que fazia sua família sofrer.

"Eu costumo dizer que não saí do armário, eu fui arrancado dele. Eu não estava preocupado. Eu estava muito confuso. Minha mãe mexeu no meu computador e descobriu os depoimentos de um ex-namorado meu no Orkut. A primeira coisa que ela fez foi chorar muito, dizer coisas horríveis para mim, que eu era uma decepção", contou Bortolotto, por telefone, ao BuzzFeed News.

Depois, começaram as orações e brigas. O publicitário morava sozinho com a mãe na cidade de Itapura (SP). "São cinco mil habitantes. Não tinha psicólogo. Mal e mal tinha um postinho de saúde". A mãe disse também que aquilo era uma fase e que o jovem só precisava se "reeducar".

De família adventista, a mãe buscou a religião. "Levaram um culto para a minha casa. Hoje, pensando, vejo que aquilo era um exorcismo. Eu me tranquei no quarto e minha prima me chamava dizendo que aquilo era para tirar uma coisa ruim de dentro de mim", disse Bortolotto.

Bortolotto passou a ser monitorado pela mãe, que queimou algumas de suas roupas que seriam de "roupas de gay".

A mãe, então, decidiu se mudar de cidade. Levou o filho para Presidente Epitácio, também no interior paulista, para afastá-lo dos amigos, que ela considerava responsáveis pela sexualidade de Bortolotto.

"Foram três meses até a gente se mudar. Ela achou que a culpa era dos meus amigos, sendo que nenhum deles era LGBT."

Em Presidente Epitácio, começou a busca por psicólogos que fizessem a "reversão" da sexualidade do jovem. Foram três. Mesmo com pouco dinheiro, a mãe agendou consultas com os terapeutas porque queria tratar o filho do que considerava ser apenas uma fase.

A segunda psicóloga foi a que disse coisas mais marcantes para o publicitário: "Esse problema é tratável. Você pode reverter isso se tiver vontade", disse ela, segundo o relato dele.

E, diz o publicitário, a profissional também fazia chantagem emocional: "Sua mãe está sofrendo, você não quer ajudá-la?"

A psicóloga também insistia que Bortolotto experimentasse sair com mulheres e apontava que ele poderia ser homossexual porque, na infância, poderia ter sofrido abuso.

"Dessa vez, eu falei para minha mãe que não ia mais participar dessas terapias. Que elas não estavam me fazendo bem, mas ela marcou mais um psicólogo", disse Bortolotto.

O publicitário lembra que, aos 15 anos, chegou a se colocar em dúvida por causa do que dizia a psicóloga. "Eu estava totalmente perdido, eu não sabia o que estava fazendo, o que queria fazer. Eu estava muito mal. Meu sentimento naquela época era 'caralho, falhei em tudo; eu não sirvo para nada; minha mãe me odeia; e eu não posso fazer nada sobre isso; não vou ter família para me apoiar e ou virar morador de rua".

Entre as terapias, ele chegou a fugir de casa depois de uma briga com a mãe. "Mas ela foi me buscar de volta".

"Eu não tinha o que fazer da minha vida e por isso eu aceitava essas coisa. Para mim, a dor de ouvir essas coisas de psicólogos e da minha mãe principalmente era tão grande que eu não aguentava, sabe?"

"O mais exaustivo de tudo era essa tentativa de 'cura', de tentar tirar de mim o que era essencial em mim". Ele conta que rezava para deixar de ser homossexual e que acreditava que estava doente. "Cresci ouvindo que isso era uma aberração e cresci achando que eu era uma aberração", contou.

Depois de três anos de muitas brigas, Bortolotto entrou na faculdade, arrumou emprego e se mudou de cidade, deixando a casa da mãe. Com os anos, foi retomando a relação com ela, mas nunca falava de namorados ou da homossexualidade.

Seu namorado, José Melo, era visto como um amigo com o qual o publicitário dividia o apartamento em São Paulo. Os dois estão juntos há 3 anos e meio.

Há quatro anos, a mãe de Bortolotto adoeceu com câncer. Ela morreu no ano passado. Uma semana antes de morrer, o filho perguntou a ela: "mãe, você me aceita?" Ela respondeu: "Aceito, sim. Eu te amo".

"Ela me aceitou na última semana de vida dela. O que mais me dói nessa história toda foi a perda de tempo. Essa perda de tempo de não se conectar bem."

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