No cemitério da música dos Racionais, famílias perderam a fé na Justiça

    Desde 1997, quando Racionais lançaram disco "Sobrevivendo no Inferno", quase 53 mil assassinatos aconteceram em São Paulo. O BuzzFeed Brasil foi ao cemitério São Luiz ouvir os que choram quem ali jaz.

    No final de 1997, os Racionais puseram na rua "Sobrevivendo no Inferno", um dos álbuns mais influentes da história recente da música brasileira.

    A visceral "Fórmula Mágica da Paz", 11a faixa do disco, dissecava o destino de jovens da periferia de São Paulo, recrutados pelo crime: Cemitério São Luiz, na região do Capão Redondo.

    A letra de Mano Brown afirma que "muito velório rolou de lá pra cá" e pergunta "qual a próxima mãe que vai chorar?"

    De acordo com a Secretaria de Segurança Pública de SP, a capital registrou quase 53 mil homicídios entre 1997, ano em que foi lançado "Sobrevivendo ao Inferno", e 2015.

    O número, contudo, pode não refletir inteiramente a realidade já que nos últimos anos a metodologia usada pelo governo de SP para contabilizar assassinatos tem sido questionada por especialistas em segurança pública.

    O BuzzFeed Brasil esteve no Cemitério São Luiz neste Dia de Finados e encontrou famílias de vítimas. As histórias de violência deram origem a vazios afetivos e à descrença na punição dos culpados.

    Abaixo algumas histórias dos alguns velórios que rolaram de lá pra cá.

    Suspeitos da morte de Washington também foram mortos.

    M. é mãe de Washington Louzeiro, morto em 1999, aos 23 anos. Reagiu a um assalto no Jardim Macedônia. Seu corpo foi encontrado dentro de um carro. Os suspeitos do crime não foram julgados. Estavam presos em uma delegacia e foram mortos durante uma rebelião e tentativa de fuga.

    Ladrões mataram o filho de Neuza em casa e fugiram com uma moto.

    Neuza Lourenço é mãe do entregador de pizzas Willian Lourenço Ferreira, morto em 1999, aos 20 anos. Por sete anos ela visitou diariamente o túmulo do filho, que foi assassinado dentro de casa. Os atiradores levaram a moto e coisas dele, dando diversos disparos dentro da casa. Ninguém foi acusado. "Para falar a verdade, nem sei se as pessoas foram presas. A gente faz boletim de ocorrência, mas não adianta."

    Na foto, ela aparece ao lado do neto Willian, que recebeu o mesmo nome do tio assassinado.

    O sobrinho de Paulo tentava roubar uma moto quando foi baleado.

    Paulo ajudou a irmã a criar o sobrinho Jonas William de Oliveira, morto em 2015, aos 19 anos. O jovem tentava roubar uma moto e foi morto pelo segurança de mercado, que fazia a vigilância. Ele não sabe se o inquérito foi concluído. Paulo se queixa que o sobrinho "andava com as pessoas erradas".

    O irmão de Zélia foi morto durante perseguição policial.

    Maria Zélia Souza é irmã de Evaldo Bento, morto em uma perseguição policial em 2015, aos 45 anos. Funcionário de uma empresa por 15 anos, ele discutia com a mulher no carro, quando a polícia foi chamada. Fugiu do local e morreu baleado diante do cemitério São Luiz. Caso não teve julgamento. "Ele fugiu porque sabia que ia morrer. A mulher ameaçava ele. Depois colocaram droga e tudo no carro dele. A gente quer saber por que mataram, mas, fia, quem viu não fala".

    Quando foi atingido pelos tiros, o filho de Lúcia tinha esfirras nas mãos.

    Lucia Oliveira é mãe de Durval Jr, morto em março deste ano aos 18 anos. Ele saiu com um amigo de moto para comprar esfihas quando foi atacado por dois assaltantes, um deles de 15 anos. Durval escapou da primeira abordagem e foi avisar ao amigo que sua moto tinha sido roubada, quando foi baleado na porta da casa pelos mesmos ladrões. Morreu com as esfirras e o capacete nas mãos. Só o adolescente foi recolhido. "O sonho dele era ter uma moto. Estava tirando a carteira".

    Coração do filho de Solange entrou em colapso por causa de overdose.

    Solange Saraiva (à esquerda na foto) é mãe de Jefferson d'Ajuda, morto aos 19 anos, em 2014. O coração de Jefferson entrou em colapso por uma dose fatal de cocaína. Começou a se drogar "menino ainda".

    Augusto foi morto a pauladas pelo porteiro do prédio da namorada.

    Claudia Maria Oliveira criou sozinha Augusto Sergio Gomes, morto há "três anos e três meses", aos 19 anos. Ele foi assassinado com uma paulada na cabeça, desferida pelo porteiro do condomínio onde vivia a namorada, depois de discutir com ele durante a madrugada.

    "No começo, queriam dizer que era overdose. Mas o promotor não aceitou isso e mostrou que foi homicídio. Mas o porteiro sumiu e não foi nem indiciado." Augusto estava no primeiro ano do ensino médio.

    Marcos ficou 4 dias desaparecido antes do seu corpo ser identificado.

    Sandra Helena Xavier é mãe de Marcos Paulo Xavier, morto com oito tiros aos 18 anos em 2014. Ele ficou desaparecido por quatro dias até Sandra identificar seu corpo no IML do Hospital das Clínicas. Sem documento, foi registrado como indigente.

    Ele foi um adolescente infrator, com delitos como roubo e tráfico. Para Sandra, que está no quarto período de Serviço Social, o filho completou 18 anos e estava mais calmo.

    "Sou mãe e a gente crê na mudança. Acho que ele tinha mudado mas deixou algo para trás, alguma pendência". Seu corpo foi achado dentro de um carro. As investigações não foram concluídas, mas ela diz não ter esperança de encontrar os culpados.

    "Quando a gente é pobre tem de aceitar tudo o que eles falam".

    Ouça "Fórmula Mágica da Paz":

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