Na primeira onda de protestos desde que Michel Temer (PMDB) se tornou presidente, manifestantes tomaram as ruas das principais cidades brasileiras em atos de "apoio" à Lava Jato e de forte repúdio ao Congresso Nacional depois que o pacote anticorrupção foi desfigurado na Câmara dos Deputados. Temer foi poupado.
Enquanto o Congresso apanhava, o juiz federal Sergio Moro era exaltado. O magistrado da Lava Jato novamente foi uma figura onipresente em discursos, faixas e camisetas. Em São Paulo, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), foi o principal alvo da fúria dos manifestantes.
Apelos de "Fora, Renan" ecoaram em gritos de ordem e cartazes pela avenida Paulista. Segundo a PM, o ato teve 15 mil manifestantes por volta entre as 16h e 16h30 deste domingo.
Renan, que patrocinou uma manobra que fracassou para votar em regime de urgência o que restou das 10 Medidas, foi alvo da virulência de oradores dos movimentos de rua. O presidente do Senado foi chamado de "cangaceiro", "jagunço-mor" e "ladrão".
Com menor intensidade em relação ao presidente do Senado, a fúria também se voltou na direção do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Produto dos atos anti-PT de 2015 e 2016, o vereador eleito de São Paulo Fernando Holiday (DEM) fez um discurso inflamado em que afirmou sentir "vergonha" de pertencer ao mesmo partido do presidente da Câmara dos Deputados.
Os atos repercutiram no coração do poder, em Brasília. Em nota, a Presidência da República afirmou que as manifestações demonstraram "a força e a vitalidade" da democracia e que o fato de milhares de cidadãos terem expressado de "forma pacífica e ordeira" neste domingo "fortalece ainda mais nossas instituições".
Renan disse que as manifestações são "legítimas" e afirmou que o Senado votou medidas anticorrupção em 2013 e "continua permeável e sensível às demandas sociais". Já Maia declarou, também por meio de nota, que as manifestações "servem para oxigenar" a democracia.
O senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) foi uma das presenças mais pop do domingo. Muito assediado por fãs, ele levou cerca de 20 minutos para percorrer meros 100 metros entre o Masp e a rua Itapeva. A cada passo era parado para selfies e foi chamado diversas vezes de "futuro presidente".
Indagado pelo BuzzFeed Brasil sobre o teor das críticas ao Congresso e o apelo de "Fora, Renan", ele se recusou a malhar Renan Calheiros.
"Fulanizar o debate no momento que o país está conflagrado não é o caminho. Tem de ter uma visão maior, que é corrigir os pontos [do pacote anticorrupção] que precisam ser novamente incluídos. Existem bons e maus em todas as categorias, mas não existe democracia em lugar nenhum do mundo que não tenha políticos. Sem políticos, é a ditadura", disse.
Houve forte adesão espontânea.
Os atos de hoje foram convocados por movimentos de rua há duas semanas, mas ganharam impulso depois da votação em que os deputados aprovaram o relatório das 10 Medidas para depois desfigurarem-na com emendas numa votação que ocorreu na madrugada da última quarta.
Embora tenha sido convocada por movimentos que ganharam notoriedade na pregação do impeachment de Dilma Rousseff, como o MBL e o Vem Pra Rua, houve adesão massiva e voluntária de pessoas comuns, não ligadas a partidos políticos ou a estas organizações.
"Eu me senti traída quando eu acordei na quarta-feira e vi o que tinham feito no Congresso", contou a dona de casa Cláudia Fernandes, 41. Ela participou da campanha que resultou em mais de 2 milhões de assinaturas para a apreciação das 10 Medidas no Congresso.
A advogada Luiza Raiol, 63, diz que a tentativa de votar o projeto desfigurado pelo Senado em regime de urgência foi o que a incentivou a sair de casa. "Vim a todas as manifestações desde o ano passado. Aquilo que o Renan tentou foi um golpe", reclamou.
Também advogado, Mário Messias, 73, fez um prognóstico do que será o governo Temer caso as 10 medidas não sejam reformuladas para se parecerem com o projeto original — que criminalizava o enriquecimento ilícito de agentes públicos e não previa punição a juízes e promotores por abuso de poder (considerado por membros da Lava Jato como uma retaliação).
"Ou o Temer tem pulso ou não termina o governo dele", disse Messias.
O discurso de ódio e antipolítica
Novamente o protesto teve um caráter heterogêneo. Os principais grupos puseram seu foco num tema parecido — no caso, o "Fora, Renan". E dividiram a Paulista com grupelhos tão diferentes entre si cujo único denominador comum parecia ser o discurso de truculência contra os "políticos".
Um grupo autointitulado "Endireita Brasil" pregava o escracho público contra os detentores de mandato. Outro, chamado Nas Ruas, defendia a "perseguição" dos políticos.
Como aconteceu nos atos anteriores, algumas poucas dezenas se juntaram em torno do carro de som que defendia a "intervenção constitucional", uma expressão vaga para a tomada do poder dos civis pelos militares.
Um orador apresentado como "jurista" invocou o artigo do Código Penal Militar que prevê a morte de quem for considerado traidor. Ele não mencionou que se trata de uma legislação de exceção, só adotada em tempos de guerra para punir, por exemplo, um espião que entrega segredos como a posição de tropas para o exército inimigo.