Um grupo de católicos se reveza diante do Hospital Pérola Byington, no centro de São Paulo, para rezar pelo "fim do aborto". O local foi escolhido por se tratar do principal centro médico — e um dos únicos — com especialização em violência sexual e onde se realizam os abortos nas situações previstas em lei (risco de morte para a gestante, vítimas de estupro e fetos anencéfalos).
O grupo se chama "40 Dias pela Vida" e tem origem nos Estados Unidos. A ideia é persuadir as mulheres que têm o direito de abortar por serem vítimas de estupro.
O grupo montou uma barraca na praça em frente ao hospital, justamente na portaria principal, por onde entram as mulheres vítimas de violência — não só as grávidas. Há cartazes "pró-vida", fotos de bebês, terços e imagens de santos.
"Não tem hora para rezar o terço. É o tempo todo", disse a engenheira Miriam Malto, 52, que cuidava da barraca na tarde de segunda-feira (21). De acordo com ela, o grupo reúne 100 pessoas de diversas dioceses da capital.
O 40 Dias pela Vida vai até 3 de novembro em diversos países, mas teve origem nos Estados Unidos. No Brasil, o único ponto de vigília é o Pérola Byington, hospital de referência no atendimento à violência sexual — mesmo nos casos que não resultam em gravidez — e ao abortamento legal dentro da previsão da legislação brasileira. Nos Estados Unidos, o grupo comemora quando consegue fechar uma clínica de aborto nos estados onde a prática é legalizada.
Questionada pelo BuzzFeed News sobre o movimento atingir diretamente mulheres que foram vítimas de violência sexual e que possam estar grávidas, Miriam Malto falou que "filho é filho".
"A gente está querendo salvar as duas vidas. Essa mulher sofreu uma violência e tem que curar esse trauma. Tirar o filho dela não vai curar isso", disse.
"Os participantes devem evitar gritos e confrontações com os pacientes e com os funcionários, mas utilizar fotos e imagens de abortos para convencer as pessoas a mudar de ideia", diz reportagem do jornal O São Paulo, da Cúria Metropolitana de SP.
No ano passado, o jornal católico trouxe texto sobre o 40 Dias pela Vida realizado em dezenas de países. Mas, naquele ano, não houve vigília no Brasil.
Na última segunda-feira (21), uma paciente vítima de estupro, que não está grávida, interpelou o grupo. "Eu perguntei a elas se elas sabiam o que era empatia", disse a paciente ao BuzzFeed News. A discussão evoluiu rapidamente para a agressão, de acordo com a paciente e com sua testemunha, uma advogada que saiu de seu carro para apoiar a paciente.
O caso foi parar no 5º Distrito Policial, na Aclimação. A paciente, que antes de ir para a delegacia teve de ser medicada, prestou depoimento assim como a coordenadora do movimento religioso, Celene Salomão de Carvalho. O BuzzFeed News tentou falar com Celene, mas ela não respondeu ao pedido de entrevista.
A paciente não foi a única mulher vítima de violência que se sentiu incomodada com a presença das católicas na entrada de onde fazem tratamento médico. Outras pacientes disseram ter se sentido constragidas.
O Hospital Pérola Byington afirmou que continua mantendo o serviço e que a manifestação de católicos não impediu o trabalho.