Na manhã de 30 de setembro, uma segunda-feira, a assistente de produção J., 31 anos, acordou em um quarto escuro, apenas de sutiã. Seu corpo doía e seus pertences, como a bolsa revirada, estavam espalhados no chão. Não havia luz e a porta não abria. O celular estava descarregado.
J. não se lembrava de nada. Vestiu as roupas e se encolheu sem saber o que iria acontecer.
“Eu acordei em um cativeiro. Depois um homem entrou, me deu R$ 5 para pegar o ônibus e sair dali”, contou ela em entrevista ao BuzzFeed News.
Na tarde do dia anterior, domingo, 29 de setembro, J. havia ido encontrar amigos na feira da Glória, no Rio de Janeiro. É um lugar com barracas, chope, mesinhas. Suas últimas lembranças são de comprar um chope, por volta das 14h.
"Eu não sei se me deram um 'boa noite, cinderela' e, se foi isso, quando me deram. Eu só tenho alguns flashes. A psicóloga me disse que às vezes nosso corpo esquece as coisas de propósito, para proteger a gente e a gente conseguir se recuperar", disse.
J. não sabe se o cativeiro ficava no Morro dos Prazeres ou de São Carlos, na zona norte do Rio de Janeiro. Lembra-se de ter pego os R$ 5 e caminhado por bastante tempo até chegar na Praça do Rio Comprido, onde tomou o ônibus.
Desceu do ônibus perto da casa de amigos. Dali, foi levada para um hospital particular. Os médicos constataram hematomas por todo o corpo de J., nos braços, no ombro, na virilha, nas coxas.
Temendo que seus agressores fossem membros de facção criminosa, J. não quis prestar queixa à polícia. Decidiu fazer o tratamento de profilaxia contra HIV e doenças sexualmente transmissíveis no Hospital Pérola Byington, de São Paulo, onde mora.
"É importante falar para as pessoas que elas precisam fazer a profilaxia. São 28 dias de comprimidos. Dá náusea, é difícil, mas é importante fazer", disse.
O atendimento psicológico também é importante, assim como manter uma rede de amigos e familiares para esses momentos difíceis.
J. contou que está sofrendo com pesadelos e nesta segunda-feira, no quinto atendimento no Pérola Byington, não segurou a revolta contra o grupo católico que faz pressão contra o aborto. O grupo promete ficar 40 dias na praça em frente ao hospital "rezando pelo fim do aborto".
"Eu perguntei a elas se elas sabiam o que era empatia. Virou uma confusão. Acabei agredida com um mata-leão de um homem que parecia segurança delas." O caso acabou na polícia. J. teve de ser medicada.