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Ativista que denunciou João de Deus quer criar plataforma para relatar abuso de religiosos

Nos Estados Unidos, a revelação da onda de assédios sacudiu Hollywood e a indústria do entretenimento. No Brasil, são religiosos que estão sendo acusados por seguidoras.

Depois de expor três líderes religiosos – o guru Prem Baba, o médium João de Deus e o líder da igreja Reino do Sol, Gê Marques –, a ativista Sabrina Bittencourt, 38, vai lançar uma plataforma digital para recolher denúncias de abusos contra mulheres cometidos por lideranças de seitas e igrejas do Brasil.

Ela batizou a iniciativa como Spiritual Leaks, uma referência aos sites que vazaram (o verbo leak, em inglês) documentos confidenciais, como o Wikileaks que tornou públicas milhares de páginas produzidas pelo governo americano. Segundo a ativista, existem indícios contra ao menos outros 10 líderes religiosos do país.

Ela afirma que, neste momento, trabalha na organização dos relatos, que são recebidos às dezenas, por email, mensagens de redes sociais e arquivos de áudio e vídeo. O site ainda está em construção e deve ser lançado ainda este semestre.

"Eu só exponho [os suspeitos] depois que converso com as vítimas", contou a ativista para o BuzzFeed News, em entrevista por vídeo de WhatsApp. Segundo ela, na lista há católicos, evangélicos, budistas, espíritas, mórmons, pessoas de igrejas de Santo Daime e ayahuasca.

"Todos eles [os suspeitos] são vaidosos, vivem da fé das pessoas. A pior coisa que pode acontecer a um líder religioso abusador não é ir para a cadeia. É ser exposto. Todos eles querem morrer como santos e a vaidade faz com que eles trabalhem muito essa questão do silêncio [das vítimas]", diz a ativista.

Sabrina, que já foi abusada quando adolescente por mórmons da comunidade que frequentava, tornou-se uma espécie de porta-voz de vítimas de abusos e, junto com o grupo Vítimas Unidas, que reúne as vítimas do médico Roger Abdelmassih, busca dar suporte psicológico, legal e mesmo material a mulheres que relatam ter sido abusadas.

Sabrina, que vive fora do Brasil, afirma ter sido alvo de ameaças de morte desde que começou a denunciar os líderes religiosos. Segundo ela, as ameaças incluíram até seu filho de 16 anos, que passava férias no Brasil com o pai e deixou o país às pressas, na semana passada.

A ativista afirma que testemunhas e vítimas no caso João de Deus estão amedrontadas. A pressão sobre elas foi um dos argumentos do Ministério Público de Goiás para pedir a manutenção da prisão preventiva do líder religioso, que mantinha um centro em Abadiânia (GO).

"A denúncia sobre João de Deus é algo único, histórico, que pode mudar a cultura de estupro no Brasil", diz a ativista. Segundo ela, prepostos do médium intimidam testemunhas.

Foi uma denúncia feita por Sabrina que levou o Ministério Público (MP) de São Paulo a pedir, na semana passada, uma investigação federal sobre uma suposta rede de tráfico de crianças que seria encabeçada por João de Deus.

"Pagam US$ 20 mil, US$ 50 mil por criança", acusa ela, que afirmou ter conversado com mulheres que adotaram essas crianças na Holanda e Alemanha. Sabrina entregou os relatos e alguns documentos à Promotoria em São Paulo.

A ativista concentra com o Vítimas Unidas as denúncias e apoios, por enquanto, em um movimento chamado Coame, sigla para Combate ao Abuso no Meio Espiritual, do qual participou da criação. Já prestou depoimento para promotores de São Paulo e de Goiás.

Os líderes expostos no #MeToo religioso

Nos Estados Unidos, a revelação da onda de assédios sacudiu a indústria do entretenimento depois que vieram à tona as primeiras denúncias contra Harvey Weinstein, um dos mais poderosos produtores executivos de Hollywood. Foi a origem ao movimento #MeToo em que atrizes vieram a público para acusar Weinstein de abusos.

O equivalente brasileiro ao #MeToo não veio da indústria cultural, mas de organizações religiosas.

O guru Sri Prem Baba (Janderson Fernandes de Oliveira) foi denunciado por suas seguidoras em setembro do ano passado. Em reportagem da revista Época, Sabrina apresentou os relatos de mulheres que seguiam o guru e contaram que sofriam assédio sexual.

Em dezembro, o médium João de Deus (João Teixeira de Faria), líder do maior centro de tratamento espiritual do país em Abadiânia, foi acusado por diversas mulheres de ter abusado sexualmente delas, algumas vezes de forma repetida, em meio a encontros religiosos. Por trás da denúncia, feita pelo programa Conversa com Bial, da Rede Globo, estavam Sabrina e as mulheres do Vítimas Unidas, como o BuzzFeed News já revelou aqui. João de Deus está preso há um mês.

As denúncias de mulheres contra o líder da igreja Reino do Sol, Gê Marques (Antônio Alves Marques Júnior), ocorreram nos últimos dias, embora ele já tenha sido denunciado por duas mulheres em 2016 ao Ministério Público. O caso não andou mas, nesta quinta-feira (17), as promotoras da força tarefa que investiga João de Deus em São Paulo, devem partir para novas investigações, com base nos relatos de 15 vítimas.

Em todos os casos, os líderes religiosos negam ter cometido crimes. Em nota enviada à revista Época quando da publicação da reportagem, a assessoria do guru Prem Baba afirmou que as pessoas que denunciaram estavam magoadas por se tratar de relações sexuais consensuais, mas extraconjugais.

"De um lado, a raiva e o ressentimento de quem se sentiu traído pela ocorrência de relações amorosas consensuais com suas esposas; de outro, as mesmas pessoas que o acusam estavam, até o mês passado, trabalhando e usufruindo da estrutura que agora condenam. Até ontem eram conselheiros jurídicos e financeiros de Prem Baba. Hoje são seus críticos mais ferozes", diz a nota.

Em seus depoimentos ao Ministério Público e à polícia, João de Deus negou todas as acusações. Sobre a recente denúncia de tráfico de crianças, seu advogado, Alberto Toron, afirmou, na semana passada que era preciso aguardar as investigações.

"Sobre a autodenominada ativista, conheço apenas as gravíssimas acusações, mas são afirmações, múltiplas e variadas, que vão do tráfico de bebês à escravidão, porém sem a apresentação de quaisquer provas. Sem estas, a fala dela desmerece maior consideração. Aguardemos, pois, a investigação", disse ele ao UOL.

O advogado de Gê Marques, Luís Eduardo Kuntz, afirmou em nota à BBC que as acusações são falsas. "Foram mantidas relações de amizade e proximidade com todos os frequentadores do Reino do Sol, relações estas sempre pautadas pelo respeito e urbanidade", escreveu o advogado.

O BuzzFeed News entrou em contato com os dois advogados e aguarda os esclarecimentos.

Veja também:

Como o grupo de vítimas de Roger Abdelmassih ajudou a expor denúncias contra João de Deus


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