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O caminho de Jair Bolsonaro rumo ao poder

Eleito neste domingo com mais de 55 milhões de votos, capitão reformado do Exército fez carreira como deputado do baixo clero até se firmar como o maior intérprete do antipetismo.

Jair Messias Bolsonaro, 63, foi eleito neste domingo presidente da República. Com 99% das urnas apuradas, o candidato do PSL já tinha mais de 57 milhões de votos (55%) e já era virtualmente o vitorioso. O segundo colocado, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), tinha pouco mais de 46,5 milhões (44%).

Em seu discurso da vitória, Bolsonaro prometeu ser defensor da Constituição e da democracia. No pronunciamento lido, o presidente eleito adotou um tom mais conciliatório do que a retórica de confrontação da campanha.

"Faço de vocês minhas testemunhas de que esse governo será um defensor da Constituição, da democracia e da liberdade. Isso é uma promessa não de um partido. Não é a palavra vã de um homem. É um juramento a Deus", prometeu.

"O que ocorreu hoje nas urnas não foi a vitória de um partido, mas a celebração de um país pela liberdade. O compromisso que assumimos com os brasileiros foi de fazer um governo decente, comprometido exclusivamente com o país e com o nosso povo. E eu garanto que assim será", continuou.

O presidente eleito fez aceno a diversos setores: "liberdade de ir e vir, de andar nas ruas, em todos os lugares deste país", reforçando a sua promessa de mais segurança, "liberdade de empreender", voltado aos empresários, "liberdade de informar e ter opinião" e "liberdade de fazer escolhas e ser respeitado por elas", numa sinalização às minorias.

Bolsonaro prometeu reduzir o tamanho do Estado – "mais Brasil e menos Brasília" – e compromisso com a responsabilidade fiscal. Parte do discurso tinha como destinatário o mercado financeiro: "Quebraremos o circulo vicioso de crescimento da dívida, substituindo-o pelo círculo virtuoso de menores déficits, dívida decrescente e juros mais baixos."

"Isso estimulará os investimentos, o crescimento e a consequente geração de empregos. O déficit público primário precisa ser eliminado o mais rápido possível e convertido em superávit", afirmou.

Ainda em casa, Bolsonaro participou de uma oração feita pelo senador Magno Malta (PR-ES), um dos aliados mais próximos do candidato. A oração terminou com o slogan da campanha: "O Brasil acima de tudo e Deus acima de todos."

A partir do final da tarde, uma multidão foi se formando em frente ao condomínio onde mora na Barra da Tijuca, no Rio. O presidente eleito acompanhou a apuração cercado da família e de dois integrantes do núcleo duro de sua campanha, como Onyx Lorenzoni (DEM-RS), já anunciado como futuro ministro-chefe da Casa Civil, e Gustavo Bebianno, presidente do PSL.

Assim que surgiram os primeiros resultados, já com mais de 80% das urnas apuradas, houve comemorações pelo país. No Rio, a festa está acontecendo perto da casa do presidente eleito. Em São Paulo, os apoiadores começaram a se juntar na avenida Paulista, em frente ao MASP. No local, houve confusão com opositores de Bolsonaro e a PM disparou balas de borracha.

A trajetória

O homem que saiu das urnas com mais de 57 milhões de votos neste domingo declara ter como ídolo o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. E atravessou a campanha sem realizar nenhuma concessão ao centro.

No domingo (21), em um discurso transmitido para seus apoiadores que tomaram a avenida Paulista, Bolsonaro prometeu que os "marginais vermelhos serão banidos da nossa pátria" e prometeu fazer a "petralhada" sentir o peso da lei "no lombo."

Capitão reformado do Exército, Bolsonaro surgiu na política nos anos 1980 como um parlamentar com uma agenda de defesa de interesses corporativistas da caserna.

Graduado pela prestigiosa Academia Militar das Agulhas Negras, o paraquedista não teve uma carreira militar brilhante. Sua primeira aparição pública foi em um artigo na revista Veja, em 1986, em que criticava os salários dos oficiais. Tomou 15 dias de cadeia.

Ele foi processado e absolvido pela Justiça Militar em um de acusações de indisciplina num caso envolvia até um suposto plano com o uso de bombas para forçar um aumento de soldo dos militares. O plano rocambolesco nunca foi comprovado e o processo deu em nada. Bolsonaro deu baixa no Exército e se elegeu vereador no Rio.

Na década seguinte, enviado pelo eleitor do Rio à Câmara dos Deputados, Bolsonaro foi ganhando notoriedade com declarações estapafúrdias – como defender o fuzilamento do então presidente Fernando Henrique Cardoso em 1999 –, com discurso de ódio – afirmando que o erro da ditadura foi não ter matado mais – e por falar barbaridades como no episódio em que disse que a deputada Maria do Rosário (PT-RS) não seria estuprada porque não merecia.

A boca solta sempre o fez ser tratado como um personagem "folclórico" ou "polêmico", para relembrar dois chavões do jornalismo político de Brasília que lhe foram sistematicamente destinados. Pelo fato de ninguém levá-lo muito a sério no passado, Bolsonaro nunca foi um porta-voz dos altos escalões das Forças Armadas no Congresso. A maioria dos generais só passou a se aproximar dele quando a sua candidatura era um fato consumado e decolava, no esteio da insistência do PT no nome de Lula, mesmo preso.

O deputado, que sempre foi um campeão de votos nas eleições proporcionais do Rio, começou a desenhar seu voo para o Planalto à medida em que o governo de Dilma Rousseff entrava em colapso, acuado pelo avanço da Lava Jato, pelo recrudescimento da recessão e pela progressiva perda de apoio da presidente no Congresso. Na noite de votação do impeachment, Bolsonaro dedicou o seu voto a Carlos Alberto Brilhante Ustra, único oficial já declarado oficialmente torturador pela Justiça Federal.

Bolsonaro entendeu muito rápido que o antipetismo havia se tornado a plataforma política mais popular do país e surfou na polarização. Aos poucos, com o tom cada vez mais alto, seu discurso pegou em redes sociais. Enquanto ia consolidando a fama que lhe fez ser chamado de "mito" por apoiadores, Bolsonaro costurava apoio com deputados de diversos partidos. Um dos primeiros a embarcar na sua aventura presidencial foi Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que se tornou uma espécie de articulador de Bolsonaro no mundo político.

Na economia, Bolsonaro converteu-se ao credo liberal recentemente. Seu fiador nos mercados é o economista Paulo Guedes, um egresso da Universidade de Chicago (templo do ultraliberalismo). O presidente eleito, que já declarou não entender nada de economia, tem em Guedes o seu "Posto Ipiranga". Trata-se de uma incógnita: o futuro comandante da economia defende privatizações amplas, incluindo gigantes como Eletrobras, Petrobras e bancos públicos. O futuro presidente já indicou que não quer privatizar estatais "estratégicas."

A facada o liberou dos debates

Dois fatos foram marcantes na campanha de Bolsonaro: o fato do ex-presidente Lula, que liderava nas pesquisas mesmo tendo sido condenado por corrupção, ter sido considerado inelegível; e a facada que o candidato tomou quando fazia campanha em Juiz de Fora (MG), no dia 6 de setembro.

O atentado de Juiz de Fora teve algumas consequências importantes. Primeiro, os demais candidatos se solidarizaram com a vítima e suspenderam os ataques que visavam desconstruí-lo. Depois, como ele só teve alta hospitalar uma semana antes do 1º turno, ele não foi aos debates finais. Com sua liderança cristalizada, ele foi recebendo apoio declarado de ruralistas, empresários e líderes evangélicos.

Uma das aproximações mais ruidosas foi a de Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus e dono da TV Record. A emissora do bispo realizou uma entrevista na casa do candidato e levou ao ar no exato momento em que começava o último debate presidencial na TV Globo.

Sem tempo de propaganda eleitoral na TV e fazendo campanha fortemente baseada em redes sociais, Bolsonaro obteve mais de 46% dos votos na primeira etapa.

No 2º turno, o candidato pouco saiu de casa. Sua residência da Barra da Tijuca se tornou um ponto de peregrinação de políticos aliados (antigos e recém-convertidos) e Bolsonaro ia se comunicando com o público, sempre em situações controladas: as entrevistas eram majoritariamente marcadas com jornalistas dóceis ao candidato.

Um exemplo foi o célebre episódio em que condicionou a entrevista à Rádio Guaíba, tradicional emissora de Porto Alegre também pertencente à Record, a um único jornalista que lhe era simpático. Outros três que integravam a bancada do programa tiveram de escutar a conversa do candidato sem poder fazer perguntas.

Mesmo liberado pelos médicos, Bolsonaro recusou-se a participar do debate da Rede Globo na última sexta. O programa acabou cancelado. É a primeira vez desde a Redemocratização que os brasileiros elegem um presidente que não participou de nenhum debate no segundo turno.

WhatsApp


A vitória de Bolsonaro ocorreu com uma nódoa no 2º turno: a suspeita de que empresários próximos ao candidato montaram um caixa dois para financiar o envio de mensagens anti-PT por firmas de WhatsApp. A denúncia apareceu em uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo. Se a denúncia for confirmada, poderia se tratar de crime eleitoral (já que doações de empresas são proibidas) e abuso de poder econômico.



Bolsonaro negou que tenha autorizado a compra de mensagens para atacar o adversário Fernando Haddad e disse que a denúncia não se sustenta. Advogados de Bolsonaro acionaram a Folha no TSE.



Nos dias seguintes à publicação da reportagem da Folha, a jornalista Patrícia Campos Mello, autora do texto, e outros profissionais do grupo passaram a receber ameaças. A Polícia Federal apura as ameaças.


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