"O senhor é nazista?", tascou a repórter Kelly Matos, da Rádio Gaúcha, logo na primeira pergunta da entrevista com o secretário nacional de Cultura, Roberto Alvim.
Aparentando nervosismo, ele negou a vinculação com a ideologia nazista e tentou justificar-se, alegando ter plagiado a frase de Joseph Goebbels (1897-1945) sem saber que ministro da propaganda do Terceiro Reich era o autor.
"Essa frase caiu na minha mesa, eu não sabia que era do Goebbels e reescrevi", disse o secretário nacional de Cultura, admitindo que plagiou a frase. No vocabulário de Alvim, o que houve foi uma "coincidência retórica".
"O que aconteceu foi o seguinte: há uma frase onde há uma coincidência retórica com uma frase do Goebbels. Quando estávamos escrevendo o discurso, eu e assessores, eu escrevi 90% do discurso, mas houve um brainstorm e foi buscado o tema nacionalismo em arte, então varias coisas que chegaram, e quando você busca no Google algum conceito, aparecem várias coisas", disse.
E continuou: "Eu reescrevi esse material inteiro, e houve uma infeliz coincidência retórica, cuja forma e extremamente semelhante com a frase original do Gobbels. Uma coincidência infeliz, não sabia a fonte."
Ontem, ele publicou nas redes sociais um vídeo no qual anunciou o Prêmio Nacional das Artes: “A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes de nosso povo, ou então não será nada.”
Um detalhe: a música de fundo do vídeo era um trecho da ópera Lohengrin, de Richard Wagner (1818-1883), o compositor favorito de Adolf Hitler.
A frase de Goebbels era a seguinte: “A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada.”
Na entrevista à Rádio Gaúcha, Roberto Alvim se atrapalhou algumas vezes e chegou a elogiar a ligação feita por Goebbels entre "nacionalismo" e "arte": "A minha frase é absolutamente perfeita. A coincidência retórica, infeliz, de ter caído na minha mesa essa frase, e eu não saber qual era fonte, não pode se despender disso uma vinculação minha com o nazismo. Minha vinculação é com a ideia de nacionalismo em arte. Ele também tinha esse discurso? Tinha. Mas daí falar sobre antissemitismo, eugenia, isso é terrível e eu não compactuo com isso."
E depois insistiu na versão de que reescreveu a frase sem saber: "Me chegam essas coisas aqui escritas. Não sei de onde veio. Essa casca de banana será investigada. A ignorância acerca da origem da frase e a frase que eu disse não tem nenhuma ideia associada ao ideário nazista"
A DEMISSÃO
Alvim disse que teve de se explicar ao presidente, que telefonou ao secretário por volta das 7h30. Segundo Alvim, no telefonema Bolsonaro teria compreendido a tal "coincidência retórica": "Ele entendeu que não houve uma má intencionalidade."
No início da tarde, quando a repercussão do episódio estava gigantesca, Bolsonaro demitiu Alvim, classificando a apologia nazista como "pronunciamento infeliz".
O vídeo do secretário causou revolta generalizada. Hoje, a Conib (Confederação Israelita do Brasil) divulgou uma nota em que considera "inaceitável" o uso de discurso nazista pelo secretário da Cultura do governo Bolsonaro.
"Emular a visão do ministro da Propaganda nazista de Hitler, Joseph Goebbels, é um sinal assustador da sua visão de cultura, que deve ser combatida e contida. Goebbels foi um dos principais líderes do regime nazista, que empregou a propaganda e a cultura para deturpar corações e mentes dos alemães e dos aliados nazistas a ponto de cometerem o Holocausto, o extermínio de 6 milhões de judeus na Europa, entre tantas outras vítimas", diz a entidade.
"VOU PROVAR PRO PROFESSOR OLAVO QUE ESTOU BEM DA CABEÇA"
O escritor Olavo de Carvalho, de quem o secretário de Cultura se diz discípulo, estocou nas redes sociais: "É cedo para julgar, mas o Roberto Alvim talvez não esteja muito bem da cabeça. Veremos."
Na Rádio Gaúcha, Alvim disse que ficou sentido com a crítica de Olavo: “Vou provar pro professor Olavo, nos próximos meses, que estou muito bem da cabeça.”
No final da entrevista, um âncora da rádio insistiu na primeira pergunta, que não havia sido devidamente respondida pelo secretário: "Mas o senhor é nazista?"
A resposta: "Não, evidentemente que não. Eu trabalho com cultura, sensibilidade, empatia. Evidentemente não tenho nenhuma relação com um regime assassino."
(Colaborou: Severino Motta, de Brasília)