Isso é o que você precisa saber para entender como funciona o PCC

    Facção criminosa tem contingente maior do que o número de funcionários da Volkswagen no país, fatura R$ 20 milhões por mês e funciona como empresa privada.

    Dicionário próprio, "protocolo fantasma", estrutura maior que muita empresa e código interno rígido são algumas das características do Primeiro Comando da Capital (PCC), que hoje reúne mais de 20 mil criminosos. O BuzzFeed ouviu o promotor de combate ao crime organizado Lincoln Gakiya, que investiga a organização há dez anos, e também teve acesso à última denúncia contra os líderes do PCC para mostrar como ele funciona.

    O contingente do PCC é maior do que o número de funcionários da Volkswagen no país.

    O Ministério Público de São Paulo avalia que o PCC tenha entre 20 mil e 22 mil integrantes em todo o país, sendo a maioria em São Paulo. No Estado, são ao menos 5 mil presos e outros 2 mil em liberdade. Eles dominam a maioria dos presídios do estado, que contam hoje com 238 mil detentos.

    O PCC fatura R$ 20 milhões por mês.

    A facção movimenta cerca de R$ 20 milhões por mês. Todos os integrantes fora das cadeias têm de pagar uma mensalidade de R$ 750. Antes de Marcola assumir o comando, no começo dos anos 2000, os presos também tinham de pagar. Muitos presos fazem "empréstimos" dentro do sistema penitenciário para fazer tráfico de drogas. Os que saem devendo da prisão já deixam o presídio com alguma "missão", que muitas vezes é eliminar adversários, agentes penitenciários ou desafetos do PCC.

    Oração da manhã é uma espécie de "reunião da firma" que acontece diariamente em todas as "filiais" do PCC pelo país.

    Quando são liberados para circular no pátio pela manhã, os integrantes da facção se reúnem em torno de um líder para o que chamam de oração da manhã. O líder grita, dá informes sobre fatos ligados à organização criminosa e alertas, além de gritar palavras de ordem sobre o PCC.

    Uma dessas cenas foi divulgada pelo BuzzFeed Brasil e ocorreu em um presídio do Mato Grosso do Sul. A gravação mostra os presos comemorando a vingança contra outra facção no Rio Grande do Norte, quando 26 detentos foram brutalmente assassinados na semana passada.

    Código de conduta é rígido.

    Uma das características do PCC é que o código de conduta dos integrantes vale para todos, sem exceção para as lideranças. Por exemplo: quando a mulher, filha, irmã ou mãe de um detento visita o presídio, sobretudo na visita íntima, os outros baixam a cabeça. Isso vale para quem comanda a ala tanto para quem acabou de chegar à prisão.

    É proibido roubar um "irmão" ou cometer determinados crimes sem autorização. Segundo o Ministério Público, ainda acontecem fora das prisões os "julgamentos do tráfico", em que a pena geralmente é a morte.

    Estupradores e assassinos de crianças são rejeitados pela facção. Se algum deles consegue ingressar no grupo, quando se descobre que cometeu esse crime ele é morto.

    A disputa com a concorrência acontece no Norte e no Sul.

    A guerra do PCC contra as facções aliadas ao Comando Vermelho já matou mais de 100 pessoas nos presídios do Norte e Nordeste este ano, mas a organização criminosa paulista tem inimigos na região Sul: são as fações de Santa Catarina, uma delas o PGC (Primeiro Grupo Catarinense), que copia a estrutura de organização paulista.

    O conselho e a Sintonia Final, órgão de decisão suprema.

    O comando do PCC é formado por um conselho de sete criminosos, seis deles presos e um foragido. O chefe maior, que tem ascendência sobre os demais, é Marco Willians Herbas Machado, o Marcola. O conselho compõe a Sintonia Final, que é o alto comando criminoso.

    Há "sintonias" regionais e diretorias. A mais recente investigada pela polícia é a diretoria jurídica. Diversos advogados foram presos no final do ano passado suspeitos de integra-la.

    O protocolo fantasma.

    Segundo denúncia do Ministério Público de São Paulo sobre a diretoria jurídica, existe um "protocolo fantasma" para a segurança. Uma das ordens era que, quando um advogado ligado ao crime fosse preso ou caísse em uma investigação, todas os meios de comunicação do grupo deveria ser trocado.

    Na denúncia contra o PCC, foram anexados trechos de cartas desse protocolo. Também foi divulgado um email interceptado pela polícia.

    Marcola, CEO do PCC.

    Segundo o promotor Lincoln Gakyia, Marcola ganhou a liderança do PCC em 2002, época em que a facção teve uma reforma. Preso hoje em Regime de Detenção Diferenciada (RDD) em Presidente Bernardes, Marcola tem diversas condenações e responde por novos crimes, como a infiltração do PCC na estrutura do Conselho de Direitos Humanos de São Paulo.

    Em 2006, Marcola orquestrou do presídio os ataques que culminaram com a morte de dezenas de policiais e cuja retaliação policial resultou em centenas de homicídios nas periferias de São Paulo e da Baixada Santista.

    Entre idas, vindas e uma fuga da prisão, Marcola já cumpriu mais de 20 anos, calcula Gakyia.

    Hierarquia estável e organização compartimentada.

    Diferentemente de outras facções, o PCC tem sua hierarquia recebida com tranquilidade pelos integrantes. Não há evidências de desafio ao comando de Marcola ou do conselho, o que diferencia a facção do Comando Vermelho, cuja história é marcada por traições entre líderes.

    Desde os ataques de 2006, a contabilidade do PCC é descentralizada. Na ocasião, a prisão de contadores e de livros-caixa ajudaram a polícia a combater a organização. Como é muito hierarquizada, o acesso a informações plenas do funcionamento do grupo é muito restrito.

    Segundo o Ministério Público, o PCC está presente na maioria dos presídios femininos. No entanto, não há mulheres no conselho do alto comando.

    Dicionário de mais de mil palavras.

    As mensagens dos líderes e integrantes e seus chamados "salves" são transmitidos em cartas manuscritas ditadas diretamente dos presídios. Existe uma criptografia, que mistura letras e números para formar as palavras. Segundo Gakyia, que atua há dez anos nas investigações sobre o PCC, existe um dicionário com mais de mil palavras. "À medida que decodificamos, colocamos em um arquivo, um banco de palavras para os investigadores", diz o promotor.

    O disciplina e o faxina.

    Nessa hierarquia intrincada do PCC, dois "cargos" chamam a atenção nos presídios. O "disciplina", chamado de get, é a pessoa que comanda o raio da prisão, uma espécie de síndico, a quem todos são submetidos e subordinados. Ele tem um "sub", o "faxina", que funciona como um emissário do get.

    O que acontece com um preso comum.

    Quando alguém vai parar numa penitenciária, a pessoa tem de conversar com o "disciplina", invariavelmente alguém do PCC nos presídios paulistas. A pessoa segue as regras ditadas pela facção e pode ingressar no grupo, desde que seja aceito.

    Quando ingressa no PCC, o preso passar a receber proteção da facção e ajuda para se manter no presídio. "Diante do caos nos presídios, acaba se tornando vantajoso para o preso fazer parte da facção", alerta o promotor Gakyia.

    O recrutamento de novos colaboradores.

    Com a aprovação de dois integrantes, que não precisam ter nenhuma relevância na hierarquia do PCC, um detento ou um criminoso na rua pode entrar para a organização criminosa. Além dos dois padrinhos, que são como fiadores, o novo integrante tem seu nome inscrito nos livros de associados e recebe uma carta com o estatuto do PCC.

    Codinomes...

    Líder do PCC, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, tem outros cinco apelidos: Playboy, Narigudo, Magrelo, Quarenta e Bonitão. Os apelidos no PCC são mais criativos que os nomes de operações da Polícia Federal ou os codinomes das listas da Lava Jato. Tem o Circuito Integrado, o Boca de Ovo, o Amigo da Portuguesa, que é também o Amigo da Japonesa.

    No mercado desde 1993.

    O PCC foi criado em 1993, em Taubaté, durante uma rebelião. O nome é inspirado no time de futebol dos presos. Cresceu nos anos 90, com o intuito de dominar os presídios. Marcola foi um dos fundadores, mas só tomou o poder em 2002, depois de "decretar" o assassinato de um juiz.

    Crescimento desenfreado.

    Com a superlotação dos presídios, o PCC cresceu em São Paulo. À transferência de presos para outros estados nos anos 90 é atribuída a ramificação da facção criminosa pelo país. Segundo o Ministério Público de SP, hoje a transferências de presos do PCC para os presídios de segurança máxima federais não ampliam essa ramificação porque essas instalações hoje dificultam a atuação dos líderes.

    Dezesseis líderes do PCC estão em RDD desde 16 de dezembro do ano passado, incluindo Marcola. Esse tipo de detenção pode ser aplicado por até um ano. No RDD, os presos ficam em celas individuais e recebem visitas blindados por um vidro e só se comunicam por interfone. Essas comunicações só podem ser gravadas se houver autorização judicial.

    Veja também:

    Isso é o que sabemos sobre o massacre de presos que aconteceu em Roraima

    Antes do massacre de Manaus, guerra entre facções começou com onda de 22 mortes no Norte

    Juiz que negociou fim de rebelião em Manaus relata ameaças de morte

    Pai de carcereiro morto por preso em Manaus recebeu R$ 5.000 de indenização


    Utilizamos cookies, próprios e de terceiros, que o reconhecem e identificam como um usuário único, para garantir a melhor experiência de navegação, personalizar conteúdo e anúncios, e melhorar o desempenho do nosso site e serviços. Esses Cookies nos permitem coletar alguns dados pessoais sobre você, como sua ID exclusiva atribuída ao seu dispositivo, endereço de IP, tipo de dispositivo e navegador, conteúdos visualizados ou outras ações realizadas usando nossos serviços, país e idioma selecionados, entre outros. Para saber mais sobre nossa política de cookies, acesse link.

    Caso não concorde com o uso cookies dessa forma, você deverá ajustar as configurações de seu navegador ou deixar de acessar o nosso site e serviços. Ao continuar com a navegação em nosso site, você aceita o uso de cookies.