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Otavio Frias Filho, morto hoje aos 61 anos, impôs seu estilo à Folha — e, por tabela, à imprensa brasileira inteira

O jornalista lutava contra um câncer no pâncreas desde setembro de 2017 e havia passado por tratamento com quimioterapia e cirurgia.

Morreu nesta terça-feira (21), aos 61 anos, o diretor de Redação da Folha de S.Paulo, Otavio Frias Filho. O jornalista lutava contra um câncer no pâncreas desde setembro de 2017 e havia passado por tratamento com quimioterapia e cirurgia.

Conhecido como Otavinho (ou OFF, como assinava seus e-mails), Frias Filho estava internado na unidade semi-intensiva do hospital Sírio Libanês, mas havia feito tratamento contra a doença também nos Estados Unidos. Seu médico era Paulo Hoff, diretor de oncologia da Rede D’Or e do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo), que leva o nome do pai do jornalista, Octavio Frias de Oliveira (morto em 2007, Octavio pai comprou a empresa que publica a Folha em 1962). O médico disse que não estava autorizado pela família a falar sobre o assunto.

Com a morte de Frias Filho, fica um incógnita sobre qual será o futuro editorial da Folha, jornal que ele comandava desde 1984 e que moldou ao seu estilo. Luiz Frias, seu irmão, tem perfil executivo e dedica-se a administrar os negócios do Grupo Folha (como o UOL), do qual é presidente. Maria Cristina Frias, jornalista como Otavinho, é titular da coluna "Mercado Aberto", da Folha. Outra irmã, Maria Helena, é médica.

A cara atual da Folha — e de toda a imprensa brasileira, por influência do diário paulista — é resultado direto da mão de Frias Filho.

A busca por uma linha editorial "crítica, apartidária e pluralista" impregnou de tal forma a cultura jornalística brasileira que, atualmente, é usada até para bater na Folha, quando algum crítico acusa o jornal de desrespeitar esses princípios e proteger ou perseguir um determinado político, por exemplo.

Outras inovações da Folha sob a direção de Frias Filho, e que hoje são consideradas banalidades do jornalismo profissional, são a criação de uma seção específica para dar transparência aos erros e correções (a "Erramos") e a necessidade de sempre buscar ouvir o "outro lado" de uma parte citada em reportagem.

"O jornalismo, tal como procuraram praticá-lo, é um serviço de utilidade pública. Divulgar a verdade, estimular um exercício consciente da cidadania, iluminar o debate dos problemas coletivos — que outra atividade seria mais elogiável e necessária do que essa?", disse ele em 2011, quando a Folha completou 90 anos.

"E no entanto, o jornalismo sempre fica aquém de sua ambiciosa missão. O julgamento humano é precário. A pressa, inerente à profissão, leva a conclusões precipitadas, relatos superficiais, omissões e erros", completou Frias Filho.

Projeto Folha

Otavio Frias Filho começou a trabalhar na Folha já na segunda metade dos anos 70. Foi editorialista e assistente do então editor Cláudio Abramo, e depois secretário e membro do Conselho Editorial. Em 1984, assumiu a direção de Redação, em substituição a Boris Casoy, que, com a mudança, voltou a editar a coluna política “Painel”.

Foi sob o comando de Frias Filho que o jornal deu a guinada em direção ao que foi chamado “Projeto Folha”: um conjunto de práticas para que a produção jornalística obedecesse mais a critérios técnicos do que à ideologização e à politização predominantes nas Redações até o início dos anos 80.

As mudanças provocaram demissões de jornalistas considerados inadequados para os novos tempos, e sua gradual substituição por jovens oriundos do meio universitário — como o próprio Frias Filho, formado em direito pela USP, ex-militante no movimento estudantil e com vida intelectual dedicada ao teatro e à literatura.

Apesar da defesa de uma linha editorial que não toma partido, o crescimento da Folha — em vendas e em influência — é fruto do engajamento do jornal na campanha pelas Diretas Já, a defesa de eleições diretas para presidente da República. Era o governo de João Figueiredo, que viria a ser o último presidente da ditadura militar (1964-1985).

Já na cobertura da doença de Tancredo Neves, que foi escolhido presidente da República pelo Colégio Eleitoral mas morreu antes de tomar posse, em 1985, a Folha escolheu noticiar as condições de saúde do político de forma seca e objetiva.

Defensora da pluralidade de opiniões, a Folha já usou o termo "ditabranda" para se referir à ditadura militar, em 2009 — e, depois da repercussão negativa, disse que o uso do termo foi um erro, apesar de reiterar que, na comparação com outros regimes semelhantes na América do Sul, a ditadura brasileira foi "menos repressiva".

Em editorial de abril de 2016, "Nem Dilma nem Temer", a Folha foi voz isolada ao defender, em vez do impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT), que ela renunciasse, assim como seu então vice Michel Temer (PMDB).

"Esta Folha continuará empenhando-se em publicar um resumo equilibrado dos fatos e um espectro plural de opiniões, mas passa a se incluir entre os que preferem a renúncia à deposição constitucional", dizia o texto.

"Não acredito em jornalismo missão"

Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em fevereiro de 1989, Frias Filho explicou o que entendia como papel do jornalismo.

"Não acredito no jornalismo missão. De fato houve uma época em que se acreditava, se imaginava ou se supunha que o jornalismo era uma missão, uma espécie de sacerdócio. Que através do jornalismo seria possível a redenção da sociedade, seria possível a redenção da classe oprimida da sociedade, a redenção da nação. Enfim, uma série de ideias mito que se vinculavam ao jornalismo, na medida em que o jornalismo seria um mecanismo através do qual uma determinada casta de sacerdotes poderia produzir a redenção social, moral, nacional etc. Não acredito nessas ideias. O poder real do jornalismo é muito mais limitado do que esse. A interlocução do jornalismo não se dá com o conjunto da sociedade, não se dá com a nacionalidade, não se dá com ideias abstratas do tipo ‘revolução social’, ‘moralidade pública’ ou do tipo ‘bem comum’. Mas a interlocução do jornal se dá com uma entidade muito bem definida, que é uma entidade de mercado, que é o público leitor dos jornais, que é o público que paga pela informação que consome."

Entre os livros lançados por Frias Filho, estão "Cinco Peças e uma Farsa", que reúne seis de seus trabalhos como dramaturgo, e as coletâneas de ensaios “De Ponta Cabeça”, “Queda Livre” e “Seleção Natural”, entre outros. Ele deixa duas filhas.

Tratamento

Em entrevista ao escritor Fernando Morais em abril deste ano, Frias Filho falou da rotina do tratamento. Contou que passou por uma cirurgia no início de 2018 para a retirada do tumor e que tomava doses periódicas de quimioterapia. A cirurgia abdominal foi feita por videolaparoscopia.

“Não tenho ido à Folha nos dias em que há medicação e nos dois ou três dias subsequentes, dado que o quimioterápico provoca alguma náusea e dor de cabeça. Mantenho contato diário, por telefone e e-mail, com o jornal. Tenho dedicado algum tempo a retomar a feitura de um livro de ensaios que estava na gaveta”, disse a Morais, que publicou o relato no site Nocaute.

Frias Filho tratou da doença com discrição. “Não tenho divulgado, mas tampouco tenho ocultado minha condição clínica”, disse ele na entrevista, quando reforçou: "apesar de continuar achando que não sou notícia”.

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