Estreante como candidato, o tucano João Doria (PSDB) se tornou um trator que esmagou adversários antes tido como favoritos nas terras do centro expandido, avança em bolsões de votos das populosas zonas sul e leste e, a três dias do primeiro turno, é o único virtualmente garantido na etapa final da disputa pelo comando da maior metrópole do país.
Sua ascensão — tinha 5% de preferência no início da campanha e 30% na reta final, segundo o Datafolha — deve-se a uma combinação de fatores: um padrinho poderoso e disposto a tudo para elegê-lo, muito dinheiro em uma eleição de vacas magras e um discurso sob medida para eleitores desiludidos com a política tradicional.
Segundo o instituto, quem se declara eleitor do tucano é o menos propenso a mudar de voto. Neste grupo, 72% se dizem “totalmente certos” do voto nele. A taxa de convicção é menor entre os outros adversários: Fernando Haddad (63%), Russomanno (57%) e Marta (54%).
"Não sou político, sou gestor."
Publicitário, empresário e apresentador de TV, Doria adora dizer que não é político, muito embora tenha presidido a Paulistur sob o governo Mário Covas, seu ídolo político, e a Embratur no governo José Sarney.
O discurso colou. Doria também tem a menor rejeição entre os candidatos. Só 17% dos entrevistados dizem que não votariam nele de jeito nenhum. O índice de Russomanno é 30%, de Marta 32% e o atual prefeito ostenta o recorde de antipatia declarada, com 43%, segundo o Datafolha.
Afilhado de Geraldo Alckmin, o “não político” desossou Andrea Matarazzo numa prévia sangrenta, que rachou o PSDB de São Paulo e provocou uma dissidência no partido. Matarazzo, ligado ao grupo do ministro José Serra, hoje é candidato a vice de Marta Suplicy (PMDB).
Os tucanos quebram a louça.
As feridas da prévia, com acusações de compra de apoio político em favor de Doria, não foram cicatrizadas. Em um artigo em setembro, o ex-governador Alberto Goldman, um tucano histórico, desancou o candidato do seu partido dizendo que ele usou “recursos lícitos e ilícitos” para ganhar a disputa interna do PSDB.
Goldman diz que a “falta de zelo pela coisa pública” no episódio, revelado pela Folha de S.Paulo, de uma área da prefeitura de Campos do Jordão que foi ilegalmente agregada a uma propriedade de Doria no município. O candidato diz que fez um acordo de desafetação onerosa com a prefeitura da cidade, mas o arranjo jamais foi homologado pela Câmara de Vereadores e a Justiça já mandou que devolvesse a área.
“O fato é que tomou a área, mostrou não respeitar a diferença entre interesse público e privado e, processado, foi tentar um arranjo para que legalizasse o mal feito”, atacou Goldman. Leia aqui.
A massa foi batida pela mão de Alckmin e o fermento foi o dinheiro que sobra para Doria e falta aos adversários.
Depois de fazer de Doria o candidato, a mão e a caneta de Alckmin foram definitivas para que ele crescesse. Numa das articulações, o governador cedeu a pasta do Meio Ambiente ao PP quase ao mesmo tempo em que o partido fechou coligação com os tucanos. O caso serviu de base para que o Ministério Público pedisse a cassação do registro de candidatura de Doria.
Alckmin operou para dar a Doria o maior arco de alianças da eleição municipal e, com isso, o maior tempo de TV e isso foi fundamental.
Embora já tivesse apresentado programas televisivos voltados ao mundo corporativo e comandado uma das temporadas do reality show “O Aprendiz”, na TV Record, Doria era um desconhecido. A pesquisa Datafolha divulgada esta semana mostra esse crescimento: em julho, 50% dos eleitores, diziam conhecê-lo. Hoje, esse número subiu para 80%.
Se a massa da campanha foi batida pelo governador, o fermento veio do próprio candidato, ou melhor, do bolso dele. Na primeira eleição em que doações empresariais foram banidas, ter dinheiro para gastar é um ativo valioso.
Dono de uma fortuna de R$ 180 milhões, Doria já injetou R$ 2,93 milhões no seu projeto eleitoral, metade de tudo o que já foi arrecadado por sua campanha. Os outros candidatos não doaram para si mesmos, à exceção de Celso Russomanno (PRB), que destinou R$ 4 mil à campanha.
Jeitoso no trato, Doria conseguiu evitar ser estigmatizado pelo próprio dinheiro no trato durante o corpo-a-corpo em regiões mais pobres.
“A potência dessa voz! Ela poderia trabalhar em uma ópera!”
O elogio de João Doria (PSDB) a uma eleitora, em uma feira livre da zona norte na manhã desta quarta-feira, é mais um jeitinho de se aproximar das pessoas no corpo a corpo que faz há quase dois meses diariamente pelos bairros da cidade. No mercado municipal da Penha, disse a uma jovem que ela possuía “lindos olhos”.
Doria distribui abraços, sorrisos e santinhos. Nunca perde a oportunidade de dizer que é filho de nordestino (João Doria pai era baiano e foi deputado cassado pela ditadura militar) e, embora seja milionário hoje, o candidato gosta de lembrar que foi pobre e já teve até a luz cortada por falta de pagamento na juventude.
Como numa palestra de auto-ajuda, caminha entre as pessoas durante os eventos com o microfone na mão. “A gente perde um microfone por semana”, reclamou um assistente da campanha no elevador do Sindicato dos Metalúrgicos, desavisado da presença da reportagem.