"Era 1h10 da madrugada, eu estava meio sonada, quando ouvi a gritaria do povo. Era uma escuridão. Foi um desespero e uma correria." Thabhatha Freire, 30, só teve tempo de pegar o documento e os dois aparelhos de celular. Saiu correndo pelas escadas do prédio que começava a incendiar, com a roupa do corpo.
Ela morava fazia dois anos no quarto andar do prédio Wilton Paes de Almeida, que despencou durante um incêndio na terça (1) no Largo do Paissandu, no centro de São Paulo. É no largo, ao lado da igreja, que a cabeleireira está acampada, com um colchão cedido por doadores. Ao lado dela, dezenas de moradores. Alguns com barracas, outros com colchões, outros no chão.
O RG salvo do fogo é uma das conquistas da manauense que mora em São Paulo há oito anos. Nele consta seu nome Thabhatha, que ela faz questão de explicar que "tem três Hs".
Ela conseguiu, na Justiça, mudar o nome no documento.
Outra conquista era o apartamento, que tinha tudo: fogão, geladeira, mobília.
"Tudo foi para o fogo. Agora tudo o que você está vendo aqui é de doação, amada. A roupa, a bolsa, tudo."
Thabhata é casada com um agricultor que está trabalhando em Minas. Estava sozinha em casa quando o fogo começou. "Ele mandou uma mensagem perguntando o que aconteceu. Eu respondi: Você sabe, você viu. Vou dizer o quê?"
Ela é uma das duas mulheres transexuais da ocupação, que contava com cerca de 150 famílias. Está no meio do processo de transição para a cirurgia de redesignação sexual, que será feita pelo SUS. "Agora, depois disso, eu já nem sei mais. Deu até tristeza por todo esse constrangimento".
"Vamos ficar aqui na praça. Não vamos para o albergue. Não somos nóias para ir para o abrigo e para eles abandonarem a gente lá", afirma.
Thabhata trabalha na casa das clientes e perdeu secador, tesoura e todos os equipamentos. Ainda não sabe como vai recomeçar.
Pagava uma contribuição de R$ 210 para os organizadores da ocupação do prédio, do MLSM (Movimento de Luta Social por Moradia).