O promotor público Henrique Limongi, de Florianópolis, está tentando anular na Justiça os casamentos homoafetivos que aconteceram na cidade. Na semana passada, o BuzzFeed News revelou que Limongi já fez isso com 69 casais desde 2015.
Ele é responsável por autorizar os casamentos em Florianópolis e tem barrado uniões de pessoas LGBTQ, alegando que não são permitidas pela Constituição. Como desde 2013 o casamento homoafetivo é garantido pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Conselho Nacional de Justiça, os casais conseguem se casar contra a vontade do promotor.
Depois que as cerimônias já foram realizadas, os casais recebem uma intimação dizendo que o promotor quer anular tudo no Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
Limongi segue com esse procedimento em todo caso de união homoafetiva que é requerido em Florianópolis, apesar de que, segundo o TJ no entanto, o promotor NUNCA conseguiu a anulação de um casamento. Mas o promotor continua tentando. E os casais têm de contratar advogado para resolver o problema.
A seguir, cenas de três dos casamentos que o promotor de Florianópolis quis impedir — e que agora, depois de realizadas as cerimônias, ele tenta anular.
FLÁVIA & PAULA
Juntas desde 2014, a administradora Flávia Kfouri, 37, e a psicoterapeuta Paula Veiga, 37, casaram-se em julho do ano passado. Em abril, receberam uma intimação judicial informando que o promotor Limongi quer anular a união.
"Eu recebi a intimação e não sabia bem o que fazer com aquilo. Não sabia até onde isso poderia ir. Agora que o caso veio à tona [a notícia sobre a conduta do promotor], a gente vai tentar reunir o maior número possível de pessoas para lutar contra", diz Flávia.
Flávia contou que, quando foi ao cartório para ingressar com os documentos da cerimônia, o funcionário foi logo avisando que, em média, os documentos ficam prontos em até 25 dias. Mas, como já se sabe que o promotor vai negar o pedido, essa espera se estende para dois meses e meio.
FÁBIO & SIDNEI
O professor de educação física Fábio Alexandre Frutuoso, 45, trabalha na realização de casamentos. Para celebrar o seu, com o vendedor Sidnei Moraes, 53, planejou uma cerimônia à beira da lagoa de Florianópolis, no dia 26 de setembro de 2015.
Mas o promotor Henrique Limongi negou a habilitação e o casal teve de adiar o casamento porque a papelada do cartório acabou atrasada. Fábio e Sidnei desistiram da festa e remarcaram, com um convite online, a cerimônia para fevereiro do ano seguinte.
A festa, que seria feita antes ao ar livre, transformou-se em uma cerimônia íntima, em casa, para os amigos mais próximos. Ainda assim, foi feita com delicadezas, como o bolo de Minions, já que o casal é apaixonado pelo filme Meu Malvado Favorito.
Mesmo com os documentos assinados, o casal hoje teme ter sua união cancelada pelo promotor. "Eu espero que a certidão continue válida. Tenho medo de que, a qualquer momento, o promotor consiga anular", diz Fábio.
Sobre a festa cancelada, Fábio conta que ficou muito magoado. "Eu faço casamentos, ajudo a realizar o sonho de noivas, mas não pude realizar o meu. Acabamos fazendo uma cerimônia simples, na garagem, por insistência dos amigos."
Já a certidão de casamento, se deixar, Fábio manda enquadrar para colocar na sala. "Tenho muito orgulho."
ADRIELI & ANELISE
A engenheira civil Adrieli, 30, e a médica Anelise, 30, trocaram os votos em dezembro do ano passado. Juntaram seus sobrenomes e passaram a assinar Nunes Schons.
Foi uma grande festa, com amigos e as famílias das duas. O promotor Limongi já havia tentado impedir o casamento, mas elas obtiveram autorização da Justiça.
Na semana passada, Adrieli recebeu a intimação da Justiça, avisando que o promotor recorreu ao TJ para anular o casamento.
Elas tiveram de contratar uma advogada para representá-las no Tribunal de Justiça, onde três desembargadores deverão julgar o caso.
O BuzzFeed News tenta entrevistar o promotor Henrique Limongi desde a semana passada, mas ele disse que só "fala" pelos autos e enviou uma nota:
“O promotor de Justiça signatário não 'conversa' com ninguém sobre os processos – quaisquer que sejam – que lhe caem às mãos. Atua nos autos, só 'fala' nos autos.
Nesta esteira, não concede entrevistas e não 'defende' os pareceres – autoexplicativos, de resto – que emite.
Devoto do Estado de Direito, só presta contas – e o faz, diuturnamente – à Constituição e às Leis. No caso em tela, a Carta da República (art. 226, § 3º) é de solar clareza: no Brasil, casamento somente existe entre homem E mulher. E Resolução – nº 175 do CNJ, que autorizou o enlace entre pessoas do mesmo sexo – não pode, jamais, se sobrepor à Lei, notadamente à Lex Máxima.
Daí, e somente daí, as impugnações que oferta. Daí os recursos que interpõe.
Com a palavra – à derradeira –, o foro próprio, o Congresso Nacional!”