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Funcionários do Sesc denunciam casos de assédio e humilhações no trabalho

O BuzzFeed News ouviu relatos, também apresentados à Justiça trabalhista. O diretor do Sesc-SP, Danilo Miranda, disse que casos são pontuais e que a entidade não compactua com abusos.

Nas últimas duas semanas, os arredores das unidades do Sesc (Serviço Social do Comércio) em São Paulo têm recebido cartazes com os dizeres: "O Sesc que você frequenta não é o Sesc que a gente trabalha".

Por trás da denúncia, estão histórias de assédio, humilhação e descaso contadas por funcionários e ex-funcionários do maior complexo cultural do país. O BuzzFeed News ouviu alguns desses relatos, que também foram formalizados em processos trabalhistas.

"Eu sentia tanta vergonha, tanta tristeza. Eu tinha de me esconder tanto para comer quanto para fumar. Ouvi do meu superior que eu estava horrorosamente gorda. Toda vez que eu almoçava ou comia alguma coisa, falavam [seus chefes] que era por isso que eu tinha engordado, que eu comia muito", contou ao BuzzFeed News a ex-caixa do Sesc Santana Fabiana Lopes Tavares, de 39 anos.

O diretor do Sesc-SP, Danilo Santos de Miranda, afirmou que casos de assédio são pontuais e que a entidade não compactua com abusos contra empregados. A entidade tem 7.500 funcionários, distribuídos em 44 unidades, segundo ele.

Fabiana trabalhou duas vezes no Sesc e, na segunda vez, de outubro de 2017 a setembro de 2018, disse ter vivido um inferno. Contou que chegou a urinar em seu posto um dia porque não aguentava esperar pela troca de funcionário.

"Eu tinha crises de pânico, entrei em uma depressão grave. As vezes em que eu reclamei para o meu supervisor, ele dizia que o problema era comigo. Eu ia trabalhar, me dava tremedeira, suor", disse Fabiana, que move processo na Justiça trabalhista contra a instituição.

"Eu sou parda e senti um pouco de racismo também. Eu choro só de lembrar e tenho de ouvir eles na Justiça dizendo que no Sesc ninguém fica doente", continuou. Fabiana afirmou que foi demitida quando estava em tratamento contra a depressão. "Se você leva um atestado médico [para o trabalho], você é tratado de forma diferente."

O BuzzFeed News ouviu de funcionários e ex-funcionários relatos semelhantes. William Vasconcelos, 37 anos, trabalhou como chapeiro por quatro anos no Sesc Ipiranga e Santana. Foi demitido em 2016, embora se queixasse por ser "xingado e humilhado" por seus chefes. Sua situação de saúde foi deteriorando, relata ele, até desenvolver síndrome de burnout, o esgotamento causado pelas condições de trabalho.

"Começaram me chamando de molenga e chegaram a me chamar de veado", disse ele, que é homossexual. "Faziam isso na frente dos outros. No começo, eu achei que tinha feito alguma coisa, mas, mesmo que eu tivesse feito, eu não merecia esse tipo de coisa."

William se queixou da jornada exaustiva, com raras folgas, a que era exposto. Disse que ficava o tempo todo trabalhando na chapa, mas que ao final do expediente era mandado para limpar o freezer, uma mudança brusca de temperatura que lhe fazia mal.

"Eu ficava doente e ia para o médico. Fui afastado do serviço por ordem médica três vezes. Quando voltava, recebia advertência por tudo. Até por não fazer coisas que não eram minha função. Quando eu tentei fazer faculdade, minha superior me colocou em horários alternados. Ela dizia que ninguém ia se formar."

Depois das advertências, William acabou demitido por justa causa. "Eu acho que foi uma injustiça comigo. O que mais me deixa chateado é eu sair como um funcionário inadequado", disse. A Justiça deu uma vitória parcial ao ex-funcionário, obrigando o Sesc a pagar o INSS de William durante os meses de afastamento por entender que a doença dele estava relacionada ao trabalho.

Assédio moral e sexual

Na próxima semana, Mariane França Firmino, 28 anos, estará frente a frente com advogados do Sesc-Sp na Justiça do Trabalho da capital. Depois de 4 anos e 11 meses na entidade, ela foi demitida em junho, quando estava em um quadro de síndrome do pânico e depressão.

"Minha coordenadora começou a me tratar mal. Ela gritava muito, me humilhava. Uma vez me queixei com outro superior e, além de me dar uma advertência, ela disse para mim: 'quem é você, você não é nada, seu trabalho é inútil'", disse Mariane, que trabalhava na cozinha do Sesc 24 de Maio, no centro de São Paulo.

Segundo ela, a perseguição começou em novembro de 2017, quando ela pediu transferência para outra unidade, o que teria sido mal visto pelos superiores. Um dos supervisores, revela Mariane, cometeu também assédio sexual.

"Teve uma vez que ele tentou me beijar à força, na escada. Ele falava: 'sou louco para comer uma bucetinha preta'."

A tensão era grande e Mariane começou a passar mal dentro do próprio local de trabalho. Acabou diagnosticada com síndrome do pânico. Ela disse que não conseguiu contar sobre o assédio sexual nem sequer para o psiquiatra, mas se abriu com uma terapeuta.

"Eu peguei uma infecção nos rins por não tomar água suficiente e não ir ao banheiro quando deveria", disse ela. Depois da infecção, passou a sair mais de seu posto para ir ao banheiro, mas continuava sendo repreendida, segundo contou ao BuzzFeed News.

"Eles diziam que eu apresentava excesso de atestado [médico]. E eu tinha dor de barriga forte, tremedeira, náusea. Eu não era mais eu. Daí ela [a coordenadora] começou a me chamar de louca, falava para os meus colegas que eu estava louca."

Mariane foi demitida em um processo interno de "DCA", que é uma espécie de relatório de falhas do funcionário. Mas diz que seus colegas estão prontos para testemunhar a seu favor na Justiça.

Durante a entrevista, realizada na última quinta-feira (3), Mariane mostrou as mensagem de ex-colegas que trabalham no Sesc de outras unidades. Duas conversas às quais o BuzzFeed News teve acesso indicam que as colegas estão em situação semelhante a de Mariane: problemas psicológicos e muita tensão no trabalho.

Numa conversa de 24 de setembro, a amiga relata que está com sintomas de pânico e depressão. E diz que não pode pedir para trocar de função porque já ameaçaram demiti-la por ela estar desanimada, sem estimular a equipe.

Diante da insatisfação de funcionários no relacionamento com o Sesc, um grupo de empregados criou um coletivo de trabalhadores, articulado sobretudo por redes sociais como o WhatsApp e reuniões presenciais.

O grupo junta denúncias dos colegas e tenta uma maneira de negociar melhores condições de trabalho com a entidade. Na reunião feita com o BuzzFeed News, seis desses integrantes, que se manterão anônimos por segurança no trabalho, deixaram claro que têm orgulho de trabalhar no Sesc, mas que esperam que medidas sejam adotadas para que o ambiente oferecido aos usuários seja o mesmo na convivência com os mais de 7.500 empregados no estado.

Um dos casos denunciados no coletivo é o do ascensorista Jailton Clemente da Silva, que, depois de insistir em reclamações para a própria instituição, levou sua queixa ao Ministério Público do Trabalho (MPT). Jailton tem deficiência física e está entre os 5% dos empregados com deficiência contratados pelo Sesc. Trabalha no 24 de Maio, mas diz que a vida que leva nos elevadores é carregada de tensão. Segundo ele, há mau tratamento por parte de seus superiores.

O MPT considerou que o caso de Jota, como é conhecido no Sesc, era uma questão pontual, mas recomendou e deu prazo ao Sesc-SP para que a entidade elaborasse um código de conduta.

A reportagem teve acesso ao código que, segundo a direção do Sesc, será divulgado interna e externamente pela entidade, sobretudo em seus sites na internet.

O que diz o Sesc

O diretor do Sesc-SP, Danilo Santos de Miranda, disse ao BuzzFeed News que o assédio é uma "preocupação permanente" da entidade. Ele disse que "essa coisa de assédio é uma grande questão no mundo de hoje", mas que não justifica "de maneira nenhuma" que algum superior possa ser abusivo contra um subordinado.

"Não há orientação para isso [perseguição a funcionários que apresentem atestado médico]. É para respeitar, ouvir todo mundo. Se escapa alguma coisa em relação a isso, a instituição vai tomar providências", disse Danilo Miranda.

Ele confirmou que a entidade seguiu a recomendação do Ministério Público do Trabalho para elaborar o código de ética. Danilo disse não ter conhecimento do caso em que a ex-funcionária relatou ter contraído uma infecção urinária por ficar muito tempo sem poder ir ao banheiro.

"Ela vai ter que comprovar. Eu tenho o maior interesse em saber disso."

Segundo o diretor do Sesc, há orientação aos gestores para que tenham boas relações de trabalho com os subordinados. Ele negou que haja uma grande incidência de pessoas com distúrbios psicológicos causados pelo trabalho. E disse que os cartazes foram feitos por pessoas com desavenças pessoais dentro da entidade.

"Me preocupa saber que há um grupo [de funcionários] que se sinta prejudicado", disse ele, considerando que os dizeres do cartaz representam um "absurdo ontológico".

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