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Secretário de Doria ficou sabendo da demissão por uma rádio

Antes de ser derrubado da Secretaria do Verde, Gilberto Natalini (PV) investigava indícios de irregularidades na concessão de licenças ambientais envolvendo grandes incorporadoras.

Na semana passada, uma assessora do então secretário do Verde e Meio Ambiente, Gilberto Natalini, recebeu um telefonema de repórter que queria saber sobre a demissão do secretário.

E foi assim que Natalini, que, junto com a Controladoria Geral do Município, comandava uma investigação sobre irregularidades em licenciamento ambiental, ficou sabendo que perderia o emprego.

Quase ao mesmo tempo, a controladora Laura Mendes de Barros já havia sido demitida. Nesta quarta (23), Natalini retomou seu cargo de vereador pelo PV de São Paulo e afirmou, em entrevista exclusiva ao BuzzFeed News, que vai continuar cobrando providências contra o que considera uma relação de "promiscuidade" entre empresas e setores da Secretaria.

Abaixo os principais trechos da entrevista:

Por que o senhor foi demitido?

Eu não posso responder a essa pergunta. Eu sei que eu não fui demitido nem por preguiça, por falta de trabalho, nem por incompetência nem por improbidade. O porquê, acho que foi por articulações partidárias e outras questões.

Mas ninguém de outro partido foi colocado em seu lugar.

Está o meu adjunto. Está lá temporariamente. Eu estava tão envolvido com o trabalho e a notificação [da demissão] foi tão repentina, que eu realmente nem estou pensando nisso.

O sr. não esperava?

Não, eu estava trabalhando normalmente.

Como se deu a demissão? Foi uma ligação do próprio prefeito?

Não, eu fiquei sabendo pela [rádio] CBN. O repórter ligou e disse que estava tendo uma articulação e que a Secretaria do Verde estava sendo cogitada de ser entregue para outro partido. E aí eu perguntei isso aí [ao prefeito] e foi confirmado.

Ele não telefonou para o senhor?

Não. Só depois que eu telefonei. Ele disse que era verdade, que procedia. Mas eu fiquei sabendo pela CBN.

O prefeito o chamou para conversar depois?

Sim. Disse que precisava do cargo e eu falei “o cargo é seu, você é o prefeito, eu estou secretário”.

Qual foi a argumentação do prefeito?

Ele falou para mim que precisava fazer rearranjos partidários.

O sr. vinha sofrendo pressão para aprovar rapidamente as licenças ambientais? Como foi isso?

Quando entrei, em janeiro, havia muitos boatos e indícios de que havia ali coisas erradas com o licenciamento ambiental. Daí chamei a Controladoria Geral do Município e fizemos um trabalho conjunto. Ficamos observando, investigando, e chegamos à conclusão de que os boatos tinham razão de ser.

Que problemas?

Muita influência de assessorias ambientais de empresas, processos desorganizados. Para começar, quando eu cheguei na secretaria, os papeis não eram protocolados, subiam direto para a mão do técnico. As pessoas interessadas no processo subiam nos andares, fechavam numa sala do técnico, de uma forma absolutamente incorreta. De muitos processos não eram recolhidas guias, taxas; alguns processos a gente viu passar na frente de outros.

Se tratava de propina?

Isso é a investigação que vai dizer. Há indícios, mas não posso afirmar nada; por isso pedimos para a controladoria investigar.

Mas o sr. avalia que possa haver uma máfia agindo na secretaria a exemplo da máfia do ISS?

Em maio, nos identificamos que deveríamos tirar alguns chefes, algumas pessoas. Tiramos uns oito funcionários. Alguns eram de carreira, pedimos que eles escolhessem outros cantos; e os comissionados nós demitidos. Colocamos no lugar pessoas que escolhemos a dedo, de absoluta confiança e com capacidade técnica. Isso foi em 18 de maio. Passado um mês, começaram a vir as reclamações das empresas, de que os processos estavam morosos.

Qual o tempo de aprovação de um processo?

Isso varia muito, tem processo com cinco anos. Ali é uma secretaria-chave, tudo o que tem impacto ambiental passa por ali para licenciamento ambiental. Grandes empreendimentos, shopping centers, conjuntos [residenciais], grandes prédios, que têm impacto ambiental, a Secretaria do Verde tem de se pronunciar. E é aí que mora o perigo porque é muito dinheiro em jogo, muitos interesses. Precisa ter uma equipe firme. A impressão com que eu saio de lá é que havia muita proximidade entre as empresas e as pessoas que licenciavam. Por exemplo, descobrimos processos que foi feito laudo de vistoria técnica de vistoria que nunca existiu.

O senhor fez uma denúncia ao Ministério Público?

Não. Fiz um relato detalhado para a Controladoria, nós os convidamos lá para dentro. Tanto é que, em agosto, nós lançamos com a Controladoria o primeiro programa de integridade e boas práticas da administração pública do Brasil. É pioneiro. Eles deram 100 itens que deveríamos cumprir e nós topamos. Fizeram uma devassa administrativa e dos 100 que eles pediram, já mudamos mais de 35.

A quem essas ações incomodaram?

Eu não sei. Quem ficou muito nervoso foram as incorporadoras imobiliárias. Usaram o argumento de que aumentou a morosidade do licenciamento. Tinha processo lá que era licenciado em 15 dias e isso é praticamente impossível. Fizemos um levantamento onde havia dois mil processos acumulados e notamos que 70% dos processos estavam parados porque o interessado não atendia as necessidades da lei. Havia um relaxamento nessa questão do licenciamento e quando a gente entrou e trocou as chefias, é claro que os processos começaram a demorar mais. Daí começaram as reclamações de que a gente estava paralisando o mercado imobiliário de São Paulo.

O prefeito chegou a externar essa preocupação?

Para mim, nunca. Ele nunca tocou nesse assunto. Eles fizeram uma carta ao secretário de Justiça [Anderson Pomini] e a mim.

O documento que o sr. enviou ao Ministério Público...

[Interrompendo] Não enviei nada ao Ministério Público. Mandei um relato e um pedido de investigação para a Controladoria. Sete empresas de assessoria ambiental detêm mais de 70% dos processos de licenciamento e por isso estão lá [nos documentos].

O sr. fazia uma investigação rigorosa junto com a controladora. Em uma semana o senhor e a controladora estão fora do governo. O senhor vê alguma relação?

Não posso falar nada. Não tenho como responder.

O senhor não estranhou, com mais de 50 anos de política?

Tenho 53. Lamentei porque a controladora era uma pessoa muito ciosa e muito competente. Lamentei por ela sair, mas por que ela saiu, se tem relação comigo ou não, não posso responder. Não tenho esse direito. Posso ter sentimentos meus.

E esses sentimentos? O sr. está decepcionado?

Foi desagradável ser perguntado por um repórter, né? Saber que o meu cargo estava sendo negociado. Não é decepcionado, eu fiquei um pouco triste. Eu fui para lá cheio de amor para dar. Fiz o que tinha de ser feito. Fiz a coisa que tinha de ser feita. Saí de lá, vou para a Câmara e vou continuar fiscalizando e exigindo que a investigação chegue ao fim.

Teve gente que foi ameaçada na Secretaria?

Teve assédio. As empresas estavam acostumadas a entrar nas salas das pessoas e resolver o negócio numa penada. Quando começou a aplicar a lei, exigir os documentos, fazer as vistorias, cobrar a taxa necessária, começou o pessoal a ficar bravo. Tinha muita promiscuidade entre empresas e os departamentos da secretaria.









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