A trabalhadora rural Maurene Lopes, 56 anos, de Bariri (a 320 km de SP), passou três anos presa pelo tráfico de nada mais que um grama de maconha.
Na segunda-feira, o STF (Supremo Tribunal Federal) anulou a sentença de Maurene, que havia sido condenada a 6 anos e 9 meses de prisão, mas ela já havia passado todo esse período presa.
Maurene foi detida em fevereiro de 2012 por policiais militares que afirmaram que ela vendia a droga a um cliente. A quantidade da droga — 1 grama — não foi considerada no processo e ela acabou condenada no ano seguinte. A lavradora passou o processo sob prisão preventiva e continuou presa até 2015, quando seu caso foi descoberto pela Defensoria Pública de São Paulo.
"O caso chegou até nós alguns anos depois da prisão, por pessoas que nos contaram a história. Em Bariri, não há uma unidade da Defensoria Pública", contou o defensor público Patrick Lemos Cacicedo, que ingressou com pedidos de habeas corpus para libertar a detenta.
Negra e pobre, Maurene já havia cumprido quase metade da pena quando o ministro do STF Gilmar Mendes proferiu uma liminar concedendo-lhe a liberdade. Ela foi solta em 22 de abril de 2015, mas o julgamento do mérito do Habeas Corpus (HC) 127573 só ocorreu nesta semana, mais de quatro anos depois.
A segunda turma do STF apoiou o voto do relator do HC, o ministro Gilmar Mendes, que afirmou: "tal condenação fere gravemente os princípios da proporcionalidade, da ofensividade e da insignificância".
Para o ministro, a pena foi desproporcional ao crime cometido. Segundo ele, é preciso que o princípio da proporcionalidade leve o julgador "a interrogar se aquela punição, prevista em lei, é proporcional à extensão do dano provocado pelo réu no caso concreto".
A condenação de Maurene fere o princípio da insignificância porque 1 grama da droga, ainda que seja para comercializar, é uma quantidade irrisória. "A ofensividade da conduta da paciente [Maurene] é tão irrisória, que fica descartada a possibilidade de um risco de dano ao bem jurídico tutelado pela norma jurídico-penal", escreveu o ministro.
Dois ministros foram contra o voto de Gilmar Mendes: Cármen Lúcia e Edson Fachin, mas acabaram vencidos pela maioria.
"De acordo com o Estado, havia ocorrido uma venda ali, de Maurene, que por situação de desespero, de miséria, para conseguir algum dinheiro vendia um grama de maconha. Agora, temos a primeira decisão do Brasil que reconhece a insignificância em um caso de tráfico", afirmou o defensor Patrick Cacicedo.
Antes de chegar ao STF, o defensor havia apelado ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) pedindo a libertação de Maurene, ainda em 2015. A liminar de soltura foi negada porque o desembargador que julgou o caso, Newton Trisotto, defendeu que não se deve levar em conta a quantidade da droga traficada.
Na votação do mérito do pedido de habeas corpus no STJ (que foi negado), o relator, ministro Ribeiro Dantas, escreveu:
"Sustenta a Defensoria que a diminuta quantidade de droga apreendida com a
paciente – 1 grama de maconha – não tipifica o crime do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006."
"Contudo, no âmbito deste Superior Tribunal de Justiça, pacificou-se o
entendimento de que, nos delitos previstos na Lei n. 11.340/2006, por se tratar de crimes de
perigo abstrato, nos quais os objetos jurídicos tutelados são a segurança pública e a paz social,
não se aplica o princípio da insignificância, sendo irrelevante a quantidade da droga apreendida.
Mostra-se, portanto, incabível a absolvição da ré por atipicidade da conduta."
Ao todo, Maurene passou três anos e dois meses presa.
O BuzzFeed News não conseguiu localizar Maurene. Seu defensor também perdeu o contato com ela e nem pôde avisá-la que ela foi inocentada.