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O desespero de uma mãe que quase entregou a filha para o Conselho Tutelar por falta de creche

Sem dinheiro, sem moradia adequada e até sem como alimentar a filha, a balconista de 21 anos ligou para o Conselho Tutelar...

A balconista P., de 21 anos, chegou na terça-feira passada (16) ao Conselho Tutelar do Sacomã, na zona sudeste de São Paulo, segurando a filha M.E., de 5 anos, pela mão. Queria entregar a menina para o abrigo porque não tinha condições de cuidar dela em meio à pandemia do novo coronavírus. Sem creche, com o salário reduzido e tendo de trabalhar, não tinha com quem deixar a menina ou alimentá-la. O BuzzFeed News usou as iniciais dos nomes para preservar a família em situação de vulnerabilidade.

"Não consigo tirar a imagem dela da cabeça. Dava para ver o desespero no olhar daquela mãe, que chorava muito. Mas ela não tinha outra saída", contou ao BuzzFeed News a pedagoga Mariana Maria da Silva, conselheira tutelar do Sacomã, que atende a região da favela do Heliópolis.

P. é mãe solo. O pai de M.E. morreu quando a mulher estava no quarto mês de gestação. No início da pandemia, ela contava com a ajuda de uma moça, que cuidava da criança para ela trabalhar. A cuidadora contraiu Covid-19. A única parente com quem P. podia contar era a avó, com problemas mentais.

"Eu fiquei muito desesperada. Não tinha com quem deixar a criança. É muito difícil sem escola. Tive de deixar com a minha avó. Ela é muito idosa já, tem problemas mentais. Ela batia na menina. A M.E. fugia. Quase foi atropelada. Eu não sabia mais o que fazer", disse P., em entrevista à reportagem nesta segunda-feira (22).

No domingo, antes de decidir entregar a menina ao conselho, P. diz que viveu seu pior momento. M.E. pediu à mãe para comer "comida de verdade". As duas viviam em uma casa sem móveis e sem fogão, pagando R$ 600 de aluguel. O salário de P. foi reduzido de R$ 1.300 para R$ 900.

A história de P. veio à tona com uma reportagem da Veja São Paulo sobre a favela de Heliópolis.

"Tinha dia que eu comprava marmita. Tinha dia que a gente comia só pão. Naquele dia eu falei: filha, a mãe não tem como te dar comida, só tem R$ 7. Eu vi ela comendo aquele pão sem vontade, só porque estava com fome."

Foi o limite para P.

Sem dinheiro, sem moradia adequada e até sem como alimentar a menina, a mãe ligou para o Conselho Tutelar. Queria saber como entregar a criança para um abrigo. Os conselheiros pediram que ela fosse ao Conselho.

"Eu queria entender por que ela queria entregar a filha dela para o abrigo. Mas, na verdade, esta é a situação de muitas mais. Eu expliquei que ela poderia estragar a infância da menina, que na idade dela é mais difícil de adotar. P. chorava muito, você podia ver que as duas têm muita sintonia", lembra Mariana.

A conselheira reuniu a comunidade, um dos conselheiros arrumou uma casa de fundos, por R$ 400. As pessoas se juntaram, compraram geladeira e fogão, doaram alimentos e roupas. Neste domingo, P. e M.E. dormiram na casa nova.

"Eu não imaginava que a comunidade ia me ajudar desse jeito. Eu chorei tanto, acordei sabendo que eu ia lá [no Conselho]. Sabe quando você fica pensando numa saída, numa saída, e você não tem? Nenhuma mãe quer perder seu filho. Mas eu tava colocando a vida dela em risco já."

"Foi um alívio. Ontem foi a primeira noite que eu consegui dormir, mas dormir mesmo. Fazia tempo que eu não sabia o que era dormir", falou P., para quem, pior que cortar o salário foi perder a creche da menina: "Os dois foram difíceis, mas você não ter com quem deixar o seu filho para trabalhar e dar um teto para ele foi o pior. Na creche, ela come, tem o lanchinho da tarde, tem um frutinha."

Mariana explica que a situação das famílias em vulnerabilidade está cada vez mais agravada com a pandemia.

"A verdade é que está uma situação horrível. Não tem creche, não tem escola. Não tem previsão de quando isso vai voltar ao normal. Estão se multiplicando casos como esses, de pais que querem entregar os filhos ao abrigo. E também aumentaram os casos de violência contra a mulher, de abusos contra crianças e adolescentes."

Há duas semanas, o mesmo conselho teve de se desdobrar para evitar que um casal entregasse a bebê que iria nascer para a adoção. O pai perdeu o emprego na pandemia, a criança não tinha enxoval; e a família, nenhuma perspectiva de melhora.

"Nós conversamos com o dono do imóvel, que suspendeu o aluguel. Juntamos apoio para fazer o enxoval do neném. Ela nasceu com saúde. E todo dia a mãe me manda uma fotinha dela."

"As pessoas falam para ficar em casa, não pensam que tem gente morando em casa de 22 metros quadrados, com três crianças. Esses dias fomos a uma casa tão pequena e cheia que o pai teve de sair para a gente entrar com uma cesta básica.

Mariana fala que a pandemia deixou uma grande falha na rede de proteção das famílias e crianças, com as escolas e creches fechadas. "A gente não tem nem como encaminhar uma criança para o psicólogo. Só se percebe essa rede de proteção quando ela deixa de funcionar."

Entre 16 e 23 de março, a prefeitura e o governo do estado fecharam todo a atendimento escolar da rede pública. Em entrevista recente, o prefeito Bruno Covas disse que as creches devem ser um dos últimos serviços que voltarão a funcionar, mesmo com a abertura do comércio.


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