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O Brasil já perdeu duas Copas, e o condomínio Copa do Povo ainda não saiu do papel

Terreno perto do Itaquerão foi invadido pelo MTST antes da abertura da Copa de 2014. Prefeitura diz que movimento de Guilherme Boulos não entregou documentos necessários para a obra. MTST responsabiliza lentidão do processo de aprovação da prefeitura.

Maio de 2014. “Não tenho casa / Eu sou sem teto / Copa do Mundo no Brasil me revolta / Não quero Copa, Copa, Copa, Copa, Copa no Brasil / Eu quero teto”. No ritmo da falecida "Lepo Lepo", uma líder sem-teto puxa o coro do alto do caminhão de som na frente do estádio do Itaquerão. Ela é uma das mais de 3.000 pessoas que invadiram, a um mês do início dos jogos, um terreno de 155 mil metros quadrados a três quilômetros do estádio onde seria realizada a abertura da Copa do Mundo no Brasil.

Com discurso contra o Mundial no Brasil, a ocupação ganhou o nome de Copa do Povo. Foi uma das maiores ações do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) no Brasil, que alçaram o nome de Guilherme Boulos à esfera eleitoral.

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Julho de 2018. O Brasil já perdeu duas Copas do Mundo; Boulos é pré-candidato à Presidência pelo PSOL; Dilma Rousseff foi substituída no Planalto por Michel Temer; São Paulo já teve na prefeitura Fernando Haddad, João Doria e, agora, Bruno Covas; e a Copa do Povo não saiu do papel.

Não foi por falta de dinheiro, uma vez que o terreno foi comprado em 2015 por cerca de R$ 30 milhões, com dinheiro do Minha Casa, Minha Vida. A verba para a obra, dividida em dois projetos, também já foi reservada pela Caixa. São mais de R$ 274 milhões.

Questionado pelo BuzzFeed News, que visitou o antigo acampamento, o MTST afirmou que o que emperra as obras é a burocracia. Já a Caixa aponta que o cronograma está sendo cumprido e a prefeitura também diz que não há atraso na obra.

O fato, no entanto, é que, desde que assinou a compra do terreno com dinheiro da Caixa, em 2015, o MTST afirma que as obras estão para começar. Em reportagem da Rede Brasil Atual, de setembro daquele ano, um dos líderes do movimento conta que a expectativa era começar a construir no início de 2016.

É julho de 2018 e o que existe no acampamento Copa do Povo são os poucos barracos erguidos durante a ocupação de 2015, como a cozinha coletiva e o espaço de reuniões — que antes, quando mais de três mil famílias estenderam sua lona preta no terreno, aconteciam semanalmente.

Um caseiro, com um cachorro, toma conta do local, agora cercado por placas de alumínio. É uma segurança mínima para impedir uma nova invasão do terreno, que fica numa esquina da rua John Speers, no Jardim Helian, região de Itaquera.

As famílias que ocuparam e desocuparam o terreno hoje vivem em casas de aluguel, casas de parentes ou foram acolhidas temporariamente em outras ocupações, de acordo com Josué Rocha, um dos líderes do MTST.

A Copa do Povo ganhou força no Mundial de 2014, realizado no Brasil. Com manifestações anti-Copa que reuniam em média dez mil pessoas (ou engrossavam os protestos dos outros movimentos contra a Copa), o MTST negociou com o governo da então presidente Dilma Rousseff (PT).

Com o aceno de Dilma e a interlocução do líder do MTST Guilherme Boulos, alguns projetos foram aprovados depois de reuniões que ocorriam ora em Brasília ora em São Paulo, onde os sem-teto chegaram a invadir o escritório da Presidência e a acampar em frente ao prédio, na avenida Paulista. O projeto foi feito por meio do Minha Casa, Minha Vida Entidades, programa de habitação em que a lista dos cidadãos contemplados é feita e gerida pelo movimento social.

Para o Copa do Povo, foram feitos dois projetos, Gleba A e Gleba B. De acordo com a Caixa, a Copa do Povo A terá 2.002 unidades, tendo já consumido R$ 23,4 milhões para a compra do terreno e despesas do projeto e com uma reserva de R$ 207 milhões para a construção das habitações.

Já a Copa do Povo B, para 648 habitações, teve despesa de R$ 7,9 milhões para a compra do terreno e conta com uma reserva de R$ 67,1 milhões para a construção das moradias. Os dois convênios foram assinados entre a Caixa e a Associação de Moradores do Acampamento Esperança de um Novo Milênio, uma das entidades jurídicas que representam o MTST.

O valor aproximado de cada apartamento é de R$ 136 mil. Boa parte deste valor é subsidiado pelo governo e as famílias contempladas pagarão mensalidade por dez anos de valores entre 10% e 25% de sua renda mensal, de acordo com o MTST.

Josué Rocha disse ao BuzzFeed News que a execução do projeto sofreu entraves tanto na burocracia para expedição dos alvarás da prefeitura necessários para liberar a construção como de impedimentos levantados pelo Ministério Público de São Paulo.

"Tivemos alguns problemas, todos relacionados à aprovação do projeto. O Ministério Público paralisou o processo de aprovação ambiental por quase um ano, de segundo semestre de 2016 até 2017", disse Rocha.

"Quando retomou a análise no segundo semestre do ano passado, ele foi novamente paralisado por nova ação do Ministério Público. Mas daí não era uma ação sobre o projeto, mas sobre todos os que tinham o direito de protocolo [os projetos de habitação que foram protocolados antes do novo Plano Diretor de São Paulo, que mudou as regras de zoneamento]", continuou.

O outro ponto levantado pelo dirigente do MTST é a demora na aprovação legal de projetos pela prefeitura. "A Prefeitura de São Paulo é reconhecidamente onde é mais difícil aprovar um projeto, o que não era para ser. Um projeto habitacional de baixa renda era para ser aprovado com uma agilidade muito grande", disse ele.

Josué Rocha afirmou que o projeto ainda está em fase de aprovação na prefeitura, tendo conseguido o alvará ambiental na semana passada.

A prefeitura afirmou ao BuzzFeed News não há atraso na Copa do Povo por parte da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL).

"Para a Gleba A, tramita na SMUL um pedido de loteamento, além do pedido de Alvará de Aprovação de Edificação Nova. Sobre o primeiro, a SMUL está verificando a alteração que o próprio interessado [o MTST] fez no perímetro e na quantidade de lotes propostos. Já para o pedido das edificações, a secretaria aguarda o atendimento do 'comunique-se' (aviso que a PMSP envia ao interessado para ele fazer adequações no projeto)", diz nota.

"Um processo como este exige longa análise, pois depende do aval de comissões internas da PMSP e externas, como o Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais do Estado de São Paulo", continua a resposta da prefeitura.

Para dar andamento ao projeto da Copa do Povo B, a prefeitura aponta que o MTST levou quatro meses para entregar documentos necessários para o Termo de Compromisso Ambiental (TCA).

Josué Rocha negou que falte empenho do MTST. "O movimento é o maior interessado nessa obra começar o quanto antes", disse ele.

"A lentidão se deve ao processo de aprovação, que tem sido bem lento. No último mês fizemos uma manifestação na prefeitura reivindicando maior celeridade na aprovação de moradias, o que fez com que a prefeitura criasse uma comissão de acompanhamento para as habitações de interesso social da cidade", disse Rocha.

Atraso no cronograma

O Ministério das Cidades confirmou que teve de refazer o cronograma inicial dos dois projetos Copa do Povo devido a atraso no registro dos contratos. "Segundo a instituição financeira responsável, Caixa Econômica Federal, houve necessidade de reformulação do cronograma inicialmente proposto, acarretado pelo atraso no registro do contrato de ambas etapas, visto a necessidade de retificação das divisas das Glebas e consequente confecção de novas matrículas", diz nota enviada pelo ministério ao BuzzFeed News.


Ainda de acordo com o Ministério das Cidades, o Ministério Público de São Paulo fez dois questionamentos "devido a uma denúncia de possível contaminação da gleba, sendo relevante destacar que o MP solicitou a paralisação do projeto e liberação dos recursos até que a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente - SMVA/SP e a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo - CETESB descartassem por completo a possibilidade levantada, o que ocorreu em abril de 2017".


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