Jesus pega o celular e faz uma selfie com os 12 apóstolos da favela. Chegam os policiais e dão um enquadro no grupo. Todo mundo com as mãos para cima, num paredão de funk. Os soldados que batem no Cristo não são romanos, mas do Bope.
Essa foi uma das representações de Jesus no desfile da Mangueira no Carnaval do Rio neste domingo (23), que mostrou o Cristo como pobre, negro, mulher, LGBTI+ e indígena no enredo "A verdade vos fará livre".
No carro de abre-alas, a cantora Alcione abandonou as unhas longas e coloridas para compor como Maria a Sagrada Família com José, o compositor Nelson Sargento, 95.
De verde e rosa, os dois ícones do samba e da Mangueira foram os pais de um Jesus negro na avenida.
A rainha da bateria da Mangueira, Evelyn Bastos, conduziu os músicos em todo o percurso sem sambar uma única vez. Com chagas nas mãos e no rosto, uma coroa de espinhos e correntes no corpo, ela representou Jesus.
Ela também não mostrou o corpo nem exibiu as plumas que marcam as rainhas da bateria das escolas de samba. Sem samba e com o corpo coberto, disse que sua apresentação respeitava as religiões cristãs.
Em um dos carros alegóricos, em vez das inscrições INRI, da cruz de Cristo, a palavra NEGRO, e o Jesus crucificado, negro, com os cabelos tingidos de loiro e o corpo crivado de balas.
Ricamente ornamento, o Menino Jesus de Praga, uma das principais imagens do catolicismo, também era negro.
No chão, mulheres negras representaram o Sagrado Coração de Jesus, outro símbolo católico, enquanto o samba ditava: "Rosto negro, sangue índio, corpo de mulher / moleque pelintra no buraco quente / meu nome é Jesus da Gente".
E num carro alegórico um Jesus crucificado pedia "só ame", numa referência aos direitos da mulher e dos LBGTI+.
Com o samba que dizia "favela, pega a visão: não tem futuro sem partilha, nem messias de arma na mão", a Mangueira mostrou uma ala em que "bandido morto" também era Jesus crucificado.
Teve o ator Humberto Carrão representando um Jesus revoltado com o mercado da fé.