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Após 14 anos apresentando telejornal, Michelle ouviu de sua chefe que estava gorda demais para a TV

"Eles pregam uma coisa da tela para fora, como respeito, diversidade e inclusão. Mas agem de forma retrógrada. Eu ressignifiquei a minha demissão e hoje eu penso que quem perdeu foram eles", disse ela, que agora é empresária de comunicação.

Michelle Sampaio, 40, apresentou o telejornal da noite na TV Vanguarda, afiliada da Globo no Vale do Paraíba (SP), por 14 anos. Você pode se lembrar dela por uma entrevista com uma menininha que viralizou nas redes sociais, em 2017, quando a criança disse que estava se sentindo "adorável".

Depois que a entrevista virou meme, a TV mostrou cenas de bastidores da reportagem, em que Michelle morria de rir com as falas da menina.

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O que o riso da jornalista escondia é que, na época, ela estava vetada de apresentar o jornal e de aparecer no vídeo, mesmo em reportagens feitas por ela. Isso porque, no ano anterior, aos 37 anos, Michelle teve sua primeira filha. E engordou.

Depois de 14 anos na bancada do telejornal, Michelle ouviu de sua chefe que estava gorda demais para a tela. "Eu voltei [da licença-maternidade] em novembro de 2016, apresentei o jornal dois ou três dias. Mas fui sacada do vídeo, da bancada. A diretora de jornalismo alegou que o problema era o meu peso e que aquela era uma decisão que estava acima dela. E o pedido deles foi que eu voltasse ao peso antes da gravidez. Eu precisaria perder de 12 a 14 quilos", contou ela ao BuzzFeed News.

E eles queriam um resultado rápido: um mês. A jornalista pediu um prazo maior. E nesse tempo ficou fora da tela, trabalhando internamente. "Eu fazia matérias, mas não aparecia quase nunca. Aparecia a mão, por exemplo."

Quando as cenas da garotinha "adorável" viralizaram, Michelle e a criança foram chamadas para o programa Encontro, de Fátima Bernardes. A partir daquele momento, contou Michelle, a emissora resolveu deixar que ela aparecesse em algumas reportagens, mas sem nunca voltar à bancada para apresentar o telejornal.

Meses depois, a jornalista emagreceu 9 quilos. A dieta a levou de volta à bancada do telejornal. Mas foi por pouco tempo. Mais alguns meses e ela ganhou peso novamente. De 2016 até março do ano passado, Michelle conta que passou por pelo menos cinco reuniões constrangedoras, todas em torno da exigência da empresa para que ela emagrecesse. Até que, da última vez, ela foi demitida por não ter emagrecido.

"Eu levava na brincadeira, que era um meio para eu não me machucar. Mas é constrangedor. Eu gostaria de atendê-los. Até foi uma frustração minha perder [a chance] e não permanecer [na bancada]. Muita gente falou: se quisesse emagrecer, tinha emagrecido. Esse julgamento eu enfrentei."

"Mas vem aqui na minha pele para sentir o que eu estou vivendo. Eu tinha uma rotina muito puxada, com bebê e trabalho. E eu pensava: eu preciso cuidar da minha cabeça. E então eu adotei isso para mim: sim, eu gostaria de emagrecer, mas sem ser uma mutilação, sem ser algo que dói, que machuca", disse Michelle.

Da conversa que resultou na demissão, ela lembra de uma frase dita pela diretora. Foi o que fez com que desabasse em choro ao contar o episódio à família. "Ela falou que eu era uma excelente mãe, mas que eu relaxei comigo, não cuidei de mim, que se eu quisesse emagrecer eu teria emagrecido".

Mesmo sem necessidade, a jornalista se explica: "Eu continuei gordinha porque eu não queria adoecer, eu não era forte naquele ponto da minha vida para cuidar de tudo e emagrecer. Resolvi assumir as minhas fraquezas: agora eu não consigo emagrecer, ao peso não vou me dedicar agora".

A jornalista, ao deixar a emissora, escreveu um post no Facebook, contando da demissão e do motivo. "Nesses últimos dois anos, por estar acima do peso, fiquei um bom tempo trabalhando nos bastidores, cheguei a emagrecer um pouco, voltar pra reportagem e apresentação do jornal, mas saí do vídeo novamente porque nunca de fato voltei ao peso antes da gravidez, que foi o pedido da emissora", escreveu ela em 23 de março de 2019. Esta semana, o assunto voltou à tona, com uma entrevista concedida por ela ao portal Comunique-se.

A postagem gerou uma onda de revolta contra a emissora e de solidariedade à profissional. Foram 11 mil comentários e 15 mil compartilhamentos. Foi ali que Michelle se deu conta de como o mundo corporativo e mesmo as relações pessoais podem ser perversos com mulheres que não correspondem ao padrão de peso.

"Não foi só na Vanguarda ou na Globo. Você não vê uma apresentadora plus size na bancada de nenhuma emissora brasileira", afirma ela.

Michelle passou a integrar um grupo de mulheres plus size em São José dos Campos (SP), onde vive. Dá palestras sobre o tema gratuitamente, enquanto toca sua nova vida, como empresária de comunicação. "Mulheres me procuraram e disseram: obrigada por mostrar esse mundo cruel dos bastidores".

Com um sócio, mantém a empresa Comunicarte, que oferece treinamento de comunicação a empresas, instituições, prefeituras e pessoas físicas.

A empresa, criada em 2014, foi o ponto alegado formalmente pela TV Vanguarda para demitir a jornalista. Mas ela diz que a emissora sempre soube da existência da empresa e concordou com o trabalho paralelo. No ano passado, foi convocada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) para prestar um depoimento sobre sua demissão. A investigação do MPT corre em segredo de Justiça.

Quase um ano depois da demissão, ela considera que vive muito bem.

"Eles pregam uma coisa da tela para fora, como respeito, diversidade e inclusão. Mas agem de forma retrógrada. Eu ressignifiquei a minha demissão e hoje eu penso que quem perdeu foram eles. Eles perderam a oportunidade de escrever a história deles de outra forma", disse Michelle. Ela também faz comerciais para a TV.

O BuzzFeed News pediu o posicionamento tanto da Rede Globo quanto da TV Vanguarda. A Vanguarda, que pertence que José Bonifácio de Oliveira, o Boni, afirmou que "não se pronuncia sobre notícias velhas e fatos inverídicos". A Globo ainda não se manifestou. Este post será atualizado se a emissora decidir se responder.

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