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Estudante de 18 anos fez chegar ao Supremo a luta para homossexuais terem direito a doar sangue

Hoje ele já se formou em direito e tenta ser um defensor público. A análise do caso ainda está nas mãos dos ministros do STF.

Marcondes Alves Dias Júnior tinha 18 anos quando decidiu doar sangue pela primeira vez. Com um casal de amigos e o namorado, ele procurou o Hemocentro de Brasília, na Asa Norte da capital do país.

"Primeiro tiraram a minha pressão e depois fomos para a entrevista, quando perguntam várias coisas da sua vida. A enfermeira perguntou se eu tinha feito sexo com outro homem no último ano. Eu disse que sim, que tinha um relacionamento monogâmico e sempre usava camisinha."

Foi então que veio a negativa: "Ela me disse que eu não poderia doar sangue e que só obedecia ordens. Fiquei tão constrangido que não conseguia perguntar por quê". Em outra sala, o namorado de Júnior ouviu a mesma resposta.

A ordem que a enfermeira seguiu é de uma portaria do Ministério da Saúde, com recomendação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que trata do sistema de doação de sangue no país e impõe as normas para a segurança do material coletado.

A portaria diz que "considerar-se-á inapto temporário por 12 meses o candidato que tenha sido exposto a qualquer uma das situações abaixo", e elenca situações como uso de drogas e sexo com mais de um parceiro ocasional desconhecido — além de "homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes".

Assim, homens homossexuais que tenham, num período de 12 meses, feito sexo com outro homem — mesmo que em um relacionamento fixo e com uso de preservativo — ficam proibidos de doar sangue por um ano.

Júnior estava no começo da faculdade de direito e decidiu que passaria a pesquisar o tema. Começou com um artigo científico apresentado num encontro de estudantes em Salvador, em 2015. Chamou a atenção que as pessoas não sabiam dessa regra. "Quando tomavam conhecimento, as pessoas ficavam ou assustadas ou muito revoltadas."

E o interesse pelo assunto virou uma militância para o estudante — que hoje tem 24 anos, já se formou e estuda para fazer um concurso de defensor público.

A proibição de homossexuais que tenham vida sexual ativa doarem sangue virou o tema do TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) do estudante e ganhou espaço nas conversas entre os alunos. Um dos colegas levou a discussão para um escritório de advocacia responsável pelas questões legais do PSB.

A história de Júnior inspirou a petição do partido na ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5543, que corre no STF (Supremo Tribunal Federal) desde 7 de junho de 2016.

"Todas as outras proibições de doação de sangue envolvem condutas individuais. Mas, no caso dos homossexuais, não se trata de uma conduta, mas da própria condição de ser homossexual. Nosso questionamento é a presunção de que o homossexual está infectado", afirma o advogado Rafael Carneiro, um dos autores da petição.

Para Carneiro, a portaria do Ministério da Saúde "presume que os homossexuais são grupo de risco, uma visão ultrapassada." De acordo com ele, esperar que o homossexual apto a doar sangue tenha de ficar um ano sem relação sexual representa, "na prática, uma exclusão definitiva".

Júnior acompanhou os dois dias de julgamento no Supremo, em outubro do ano passado, quando, depois de cinco votos, o ministro Gilmar Mendes pediu vistas para estudar o caso mais a fundo. Desde então, o julgamento está suspenso.

Já foram dados cinco votos, a maioria favorável a considerar inconstitucional a portaria do Ministério da Saúde. Edson Fachin, relator da ação, considerou que as regras são inconstitucionais porque impõem "tratamento não igualitário injustificável". Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux acompanharam o voto do relator.

Já Alexandre de Moraes votou pela procedência parcial da ação. Para o ministro, é possível permitir a doação de sangue de homossexuais desde que o sangue colhido seja utilizado após o teste imunológico, a ser realizado depois da janela sorológica definida pelas autoridades de saúde.

Júnior viu a votação com otimismo. Para ele, a expectativa é que as regras sejam mudadas. "A gente vive uma cultura em que se pensa que o cidadão não pode fazer nada para mudar uma situação. E isso é uma prova de que as pessoas comuns têm condições de mudar a realidade", disse ele.

O Ministério da Saúde afirma que sua portaria é baseada em medidas de proteção das pessoas que recebem o sangue.

"Dessa forma, a inaptidão para homens que fazem sexo com homens utiliza o mesmo critério que as demais situações. Essa medida atende recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e está fundamentada em dados epidemiológicos presentes na literatura médica e científica nacional e internacional, não tendo relação com preconceito ou orientação sexual do candidato", diz nota oficial do Ministério.

Veja a íntegra da posição do Ministério da Saúde:

O Ministério da Saúde informa que os critérios para a seleção de doadores de sangue estão baseados na proteção dos receptores, visando evitar o risco aumentado de transmissão de doenças por via parenteral. Motivos variados podem levar uma pessoa a ser considerada inapta, temporária ou definitivamente, para a doação de sangue.

A Portaria de Consolidação GM/MS Nº 5, de 28 de setembro de 2017, Título I, Capítulo II, Anexo IV estabelece critérios de aptidão para a doação de sangue baseados, sempre, no perfil epidemiológico de grupos populacionais e no risco da exposição a diferentes situações, constatando aumento do risco de infecção em determinadas circunstâncias. De acordo com a portaria, homens que fazem sexo com homens são considerados inaptos para a doação de sangue por 12 meses após a última exposição e não de forma definitiva.

Além dessa recomendação, a portaria prevê que a realização recente de cirurgias e exames invasivos, vacinação recente, ingestão de determinados medicamentos, realização de tatuagens, histórico recente de algumas infecções, práticas variadas que deixem o candidato vulnerável a adquirir determinadas infecções, viagens a locais onde há alta incidência de doenças que tenham impacto transfusional, sinais ou sintomas físicos e temperatura corporal do candidato no momento da doação também são alguns dos motivos podem tornar o candidato inapto para a doação naquele momento.

Dessa forma, a inaptidão para homens que fazem sexo com homens utiliza o mesmo critério que as demais situações. Essa medida atende recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e está fundamentada em dados epidemiológicos presentes na literatura médica e científica nacional e internacional, não tendo relação com preconceito ou orientação sexual do candidato.

Destaca-se, em medicina transfusional, o princípio da precaução. É de acordo com o princípio da precaução que se estabelece o período de 12 meses de inaptidão para situações específicas, ainda que a janela imunológica esteja atualmente reduzida, tais como a realização de tatuagens e procedimentos cirúrgicos variados.

Ressalta-se ainda que se deve considerar a prevalência de infecções transmissíveis por transfusão na população geral e em doadores de sangue de acordo com a realidade de cada país. Portanto, as estratégias devem estar adequadas a realidade epidemiológica local. Este tema está em revisão em todo o mundo e o Ministério da Saúde acompanha regularmente todas as evidências científicas nacionais e internacionais sobre o tema e novos achados para uma eventual modificação da conduta baseada em evidências científicas seguras.


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