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Este escritor brasileiro está contando histórias do povo negro no Twitter

Cotista do Prouni, publicitário especialista em games e storytelling, Ale Santos usa as threads do Twitter para combater o racismo com informação.

Ota Benga era um pigmeu que foi sequestrado no Congo e exibido como um animal em zoológicos dos Estados Unidos. Foi exposto com chimpanzés na jaula dos macacos do zoo do Bronx. Isso aconteceu em 1906.

Após ser libertado por pressão de religiosos e jornais negros, com o coração partido pela família morta na África e pelas humilhações, Ota Benga se matou.

"Ele ficou numa jaula de chimpanzés e era mostrado como o próprio macaco", diz o publicitário e escritor Ale Santos. Essa foi história mais triste Santos escreveu, em forma de thread, em sua conta no Twitter, o @Savagefiction.

Os danos psicológicos produzidos pelo racismo no povo preto são extremamente poderosos. Muitos são levados para a auto destruição silenciosa de forma desesperada e outros literalmente acabam com sua vida, essa thread é sobre a trágica história de Ota Benga. https://t.co/tvRKmKtLC6

Ale Santos já contou, nos últimos dois meses, 25 histórias sobre personagens negros e cultura africana. Cada thread gera milhares de engajamentos.

"Quando escrevi essa história, acho que pesei um pouco, terminei de maneira muito trágica. Eu poderia, como escritor, amenizar, deixar uma frase de esperança, mas a história me levou a não ver esperança nesse caso", diz Ale, 31 anos.

Especialista em storytelling e autor de ficção, nos últimos dois meses Ale deixou de lado a fantasia para mergulhar na história real do povo negro no Twitter. O sucesso das narrativas já garantiu mais de 20 mil seguidores e três trabalhos profissionais para o publicitário: artigos para o site Muito Interessante e para o Intercept Brasil e o roteiro de uma peça de teatro com temática negra.

"Faz parte do meu processo de identidade racial conhecer a minha cultura. Sempre estudei, sempre soube essa história. Eu só não sabia que o Twitter era o melhor lugar para contá-la. Descobri recentemente a ferramenta de thread e resolvi contar uma história. As pessoas começaram a gostar", diz.

Ale Santos diz que a história que mais gerou engajamentos foi sobre o holocausto negro no Congo, promovido pelo rei belga Leopoldo II, no começo do século 20. Com requintes de crueldade, foram mortas milhões de pessoas.

"Foi a primeira thread que bombou. Quase um milhão de visualizações em um tuíte", diz ele.

Oficiais belgas construíam cercas de crânios ao redor de suas casas, para intimidar quem ousasse desobedecer Leopoldo. "bastava: cem cabeças cortadas fora e a estação voltava a ser abastecida com fartura" disseram em relatos históricos. https://t.co/60N02Uz2zj

Filho de mãe de origem tapuia e pai negro, Ale Santos foi criado no Vale do Paraíba, terra de Monteiro Lobato e de suas histórias. Ele conta que foi perseguido durante toda a infância por colegas que usavam expressões racistas presentes nos livros do escritor. "Fui muito ofendido de 'macaco', 'beiçudo' e todo esse tipo de coisa que tinha na literatura dele."

"O mais doído é essa falácia de as pessoas ficarem tentando descontextualizar o autor de sua obra. É como se o racismo do Monteiro Lobato só existisse naquela época. Mas não. As pessoas hoje ainda são machucadas, são ofendidas, são chamadas de lodo, sujo, macaco, de beiçudo, por conta dele."

Se a infância do menino negro foi permeada pelo racismo, sua vida adulta não seguiu muito diferente. "Ser negro é passar por isso [racismo] o tempo todo. Infelizmente alguns não percebem. Como atuei nesse mercado de comunicação e marketing, vejo isso muito explícito, principalmente em situações de exclusão."

De família humilde, Ale Santos foi o primeiro da família a ir para uma universidade. Conseguiu uma bolsa pelo Prouni. "Tenho muito orgulho de ser cotista." Hoje, tem uma consultoria de gamificação, trabalhando há cinco anos com storytelling para empresas como a IBM. Mora com a mulher e dois cachorros em Garatinguetá (SP).

Das threads que já publicou, tem suas favoritas. "A história que eu amo é a do Benedito Meia Légua, o quilombola, e foi dele que nasceu a expressão 'mas será o Benedito?'." Ele também conta histórias mais atuais e dá destaque para personagens femininas.

Sempre que um tinha o infortúnio de ser capturado, Benedito reaparecia em outras rebeliões. Os fazendeiros passaram a crer que ele era Imortal. E sempre que haviam notícias de escravos se rebelando vinha a pergunta "Mas será o Benedito?" https://t.co/9bgaWrE6Y9

Desumanização dos negros

"O racismo velado que existe no Brasil faz com que a maioria das pessoas fique cega à desumanização que ainda existe para as mulheres negras, para homens negros que são mortos pela polícia, para as mulheres que apanham todo dia, que recebem menos salário. Acho que revelar a desumanização antiga pode abrir os olhos das pessoas para a desumanização que acontece nos dias de hoje", diz.

Uma ou mais dessas mulheres foi capturada para uma turnê tenebrosa pelas dimensões do Reino Unido, era Sarah "Saartjie" Baartman ou a Vênus Noire (negra) - isso em 1810. Seus padrões eram tidos como grotescos pelos europeus, não apenas da sua nádega mas de sua genitália. https://t.co/PElW8uRHn4

Apesar do racismo persistente, Ale Santos diz que as crianças e adolescentes negros de hoje têm mais chance de se reconhecer em personagens e heróis.

"Na década de 90, a gente não via heróis negros na televisão para dizer: 'cara, isso está me empoderando'. Os primeiros heróis negros que vi em vídeo foram os rappers americanos. Foi uma porta que abri", lembra ele.

"Não tinha um Cavaleiro do Zodíaco preto. Sempre me sentia um avulso. Hoje a gente vê a cultura pop traduzindo o Pantera Negra, o Raio Negro. A criança pode chegar na escola e dizer que é um deles e ninguém vai desrespeitá-la."

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