O segundo dia de julgamento das ações que pedem ao STF criminalizar a homofobia começou com o ministro Celso de Mello, o decano (mais antigo) do tribunal, lendo o seu voto — um verdadeiro libelo em defesa das liberdades individuais.
Em um longo voto, dividido em 18 tópicos, Celso de Mello criticou a intolerância e defendeu a equiparação de atos de homofobia aos crimes de racismo, que são imprescritíveis e preveem penas que podem chegar a cinco anos de prisão.
"Eu sei que em razão do voto que vou proferir, e também de minha conhecida posição em defesa dos direitos das minorias que compõem os chamados grupos vulneráveis, serei inevitavelmente incluído no índex mantido pelos cultores da intolerância, cujas mentes sombrias [...] desconhecem a importância do convívio harmonioso e respeitoso entre visões de mundo antagônicas", disse o ministro.
O decano Celso indicou que seu voto deve equiparar a homofobia ao crime racismo. Disse o seguinte: "[LGBTs] são os mais vitimados por atos de violência motivados pelo preconceito, pelo ódio e pelo racismo manifestados contra esses outsiders que sofrem intensa marginalização."
Celso de Mello ressaltou a importância da função contramajoritária do Supremo, "a quem incumbe fazer prevalecer, sempre no exercício irrenunciável da jurisdição funcional, a autoridade e a supremacia da Constituição e das leis da República." Traduzindo: segundo ele, o voto não deve se curvar à maioria política, que é temporária.
O ministro afirmou ainda que "determinados grupos políticos e sociais, inclusive confessionais, motivados por profundo preconceito, vêm estimulando o desprezo, promovendo o repúdio e disseminando o ódio contra a comunidade LGBT".
“[Esses grupos estão] buscando embaraçar, quando não impedir, o debate público em torno da transexualidade e homossexualidade por meio da arbitrária desqualificação dos estudos e da inconcebível negação da consciência de gênero, reduzindo-os à condição subalterna de mera teoria social.”
"Essa visão de mundo, fundada na ideia artificialmente construída de que as diferenças biológicas entre o homem e a mulher devem determinar os seus papeis sociais — meninos vestem azul e meninas vestem rosa —, [...] impõe notadamente em face dos integrantes da comunidade LGBT uma inaceitável restrição a suas liberdades fundamentais, submetendo tais pessoas a um padrão existencial heteronormativo incompatível com a diversidade e o pluralismo."
O trecho faz referência a uma fala da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, que disse, em um vídeo que circulou nas redes sociais: "É uma nova era no Brasil: menino veste azul e menina veste rosa!".
Celso de Mello disse ainda que o reconhecimento da identidade de gênero pelo Estado é de vital importância para garantir direitos humanos das pessoas LGBT.
O ministro disse que o Supremo não pode substituir o Legislativo na criação de uma lei para específica para criminalizar a homofobia, estabelecendo o crime e a pena. Não sendo possível essa via, as ações pedem que a homofobia seja, então, equiparada ao já existente crime de racismo.
"Os LGBTs têm o direito de receber a igual proteção das leis”, pontuou Celso de Mello ao concluir o item 8 de seus 18 tópicos. Ele continuará a ler seu voto após um intervalo. A votação não deve ser concluída hoje.
Celso quer ler hoje até o item 11 de seu voto. Após isso, julgamento será suspenso e volta na próxima quarta. Ao propor tal calendário, Celso já sinaliza que vai dar uma solução para o "estado de inconstitucionalidade" em que a questão se encontra.