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Documento de banco suíço cita aquisição de 4 quadros de Portinari; MPF diz que é propina a Serra

“Four Portinari Acquisitions” diz justificativa de transferência de 326 mil euros para conta atribuída a filha do tucano na Suíça. Para Lava Jato, dinheiro é propina do Rodoanel.

Nos documentos bancários que as autoridades da Suíça enviaram aos investigadores brasileiros envolvendo o senador José Serra (PSDB-SP), há um swift (comprovante de transferência) de 326 mil euros referente a uma suposta negociação de quatro quadros do pintor brasileiro Candido Portinari (1903-1962), um dos mais valorizados artistas plásticos brasileiros do século 20.

O pagamento foi justificado com a anotação “Four Portinari Acquisitions” (“compra de quatro Portinari”, em sentido literal), de uma empresa controlada por um operador de propinas da Odebrecht, José Amaro Pinto Ramos, para uma conta no Banco Arner, na Suíça, que era, segundo os investigadores brasileiros, controlada por Verônica Allende Serra, filha do senador.

A transferência caiu na conta da offshore Dortmund International Inc na Suíça, que, segundo a investigação, é controlada pela filha de Serra, no dia 31 de março de 2006, data em que o tucano renunciou ao cargo de prefeito de São Paulo para disputar o governo paulista.

O Ministério Público Federal não explica, na denúncia, se os quadros foram ou não comprados. Apenas transcreve os dados do documento bancário.

“A anotação chama atenção porque, em primeiro lugar, o mercado de obras de arte integra os chamados 'setores sensíveis', marcados por numerosas operações de lavagem de ativos e, em segundo lugar, porque a Dortmund, como se verá, é controlada por familiar de José Serra, não tendo, aparentemente, relação com esse tipo de atividade”, dizem os 5 procuradores, que assinam a denúncia.

Trecho da denúncia dos procuradores contra o senador José Serra:

Para contornar a prescrição do crime, a Lava Jato de São Paulo está tomando por base as movimentações bancárias da conta atribuída a Verônica Serra, que ocorreram entre 2006 e 2014.

Em nota, Serra afirmou que os fatos investigados são antigos, já estão prescritos e que a operação desta sexta, que incluiu busca e apreensão em seus endereços, foi organizada para constrangê-lo. Leia íntegra da nota no final do texto.

OS PAGAMENTOS


Empresas offshore são empresas estruturas jurídicas criadas em paraísos fiscais, longe do domicílio fiscal de seu controlador, e podem ser usadas para movimentar ativos financeiros pelo mundo.

Apesar de poderem ter fins lícitos, como no caso das que são declaradas às autoridades do país de origem, offshores são estruturas comuns em engenharias para lavar dinheiro cuja origem não pode ser declarada.

Depois do 11 de Setembro, a Suíça realizou uma reforma bancária que obriga suas instituições a identificarem quem é o controlador das offshores que mantêm contas no país. Foi por meio desta regulação que a conta da Dortmund International Inc no banco Arner tinha a assinatura de Verônica Serra e a foto de seu passaporte em seus arquivos.

Cópias destes documentos foram enviados ao Brasil, por meio de cooperação internacional, e permitiram ao Ministério Público Federal ligar as movimentações da Dortmund com a filha do senador.

Ao todo, entre 2006 e 2007, a conta da Dortmund recebeu 936 mil euros de outras offshores em nome de José Amaro Pinto Ramos. José Amaro não era funcionário da Odebrecht, mas era acionado por funcionários do chamado setor de “operações estruturadas” da empreiteira para realizar pagamentos de propina em nome da empresa. O setor de “operações estruturadas” ganhou o apelido de “departamento de propinas” durante a Operação Lava Jato.

São estes cinco depósitos das empresas de José Amaro para a Dortmund, que somam R$ 936 mil euros, que fundamentam a denúncia apresentada contra o senador Serra e a filha Verônica por lavagem de dinheiro. A peça também afirma que Serra foi beneficiário de outros R$ 23 milhões da Odebrecht entre 2009 e 2010, mas este não é o foco da denúncia.

Normalmente, contas da Odebrecht no exterior depositavam dinheiros para outras offshores também controladas pela companhia e estas, por sua vez, retransferiam quantias para as contas de operadores como José Amaro. Numa última camada da “cebola”, era o operador que transferia os valores para os beneficiários finais. Estas camadas visavam dificultar o rastreamento do dinheiro.

Trecho da denúncia em que procuradores acusam Verônica Serra, filha do senador, de agir em conluio com o pai para receber pagamentos indevidos da Odebrecht:

CODINOME: VIZINHO

Embora a denúncia de hoje não formalize a acusação de corrupção, os procuradores afirmam na peça que o dinheiro pago na conta Dortmund era propina originária do Rodoanel, uma obra iniciada em 1998 e ainda hoje não inteiramente concluída.

Para ligar os documentos bancários à obra, os procuradores se valeram do depoimento de executivos e ex-executivos da Odebrecht que se tornaram colaboradores da Justiça.

No inquérito 44/2019-3- 68-51.2019.6.26.0001, que deu origem à denúncia contra Serra, está anexada uma planilha denominada “Vizinho 2006 a set2009”. Segundo delatores, o codinome Vizinho no setor de operações estruturadas pertencia a José Serra, que era vizinho e interlocutor de Pedro Novis, que foi presidente da construtora até 2009, antes de Marcelo Odebrecht.

Conforme os depoimentos dos delatores, Serra e Novis não discutiam detalhes dos pagamentos por causa dos altos cargos que ocupavam.

A denúncia afirma que Serra tinha “conhecimento dos interesses da Odebrecht em contratos específicos, como as obras do Rodoanel, e depositava em agentes públicos, como Paulo Vieira de Souza a missão de negociar como se daria e qual a contrapartida aos pagamentos ilícitos seria fornecida.” Já Pedro Novis também ordenava a outros executivos que efetuassem os pagamentos, diz a denúncia.

O ADITIVO DO RODOANEL-SUL

O Ministério Público Federal afirma que a propina começou a ser paga pelas empreiteiras antes mesmo de Serra ser eleito governador e continuou depois, tendo o então diretor da Dersa Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, como o interlocutor do governo.

No começo de 2007, já com Serra empossado, Paulo Preto teve reuniões com representantes dos cinco consórcios que tocavam a obra do Rodoanel Sul na sede do órgão público e também no Hotel Blue Tree, na região da Faria Lima.

Paulo Preto informou que o governo queria reduzir em 4% globalmente todos os contratos do poder público. Segundo a denúncia, a Odebrecht já havia estudado a possibilidade de obter ganho de produtividade e emprego de técnicas que podiam reduzir o custo da obra em pelo menos R$ 60 milhões.

Para isso, entretanto, era preciso firmar um aditivo ao contrato original em que o regime original de contratação fosse alterado, de preço unitário para preço global.

Numa das reuniões no Hotel Blue Tree, Paulo Preto concordou com a mudança no regime de contratação das empreiteiras e o aditivo no contrato saiu. Mas com um custo, segundo o Ministério Público: o pagamento de 0,75% sobre as respectivas medições mensais da obra para supostamente bancar “campanhas do PSDB”.

Paulo Preto foi denunciado por acusação de corrupção no caso das obras do Rodoanel Sul, em 2018.

SERRA DIZ QUE OPERAÇÃO É ILEGAL E ARBITRÁRIA

Em nota, a assessoria do senador José Serra criticou a operação desta sexta como um "movimento ilegal que visa constranger e expor um senador da República."

Aqui a íntegra da nota:

"Causa estranheza e indignação a ação deflagrada pela Força Tarefa da Lava Jato de São Paulo na manhã desta sexta-feira (3) em endereços ligados ao senador José Serra. Em meio à pandemia da Covid-19, em uma ação completamente desarrazoada, a operação realizou busca e apreensão com base em fatos antigos e prescritos e após denúncia já feita, o que comprova falta de urgência e de lastro probatório da acusação."

"É lamentável que medidas invasivas e agressivas como a de hoje sejam feitas sem o respeito à Lei e à decisão já tomada no caso pela Suprema Corte, em movimento ilegal que busca constranger e expor um senador da República."

"O senador José Serra reforça a licitude dos seus atos e a integridade que sempre permeou sua vida pública. Ele mantém sua confiança na Justiça brasileira, esperando que os fatos sejam esclarecidos e as arbitrariedades cometidas devidamente apuradas".

O BuzzFeed News não conseguiu falar com Verônica Serra. Este post será atualizado quando houver novas informações.

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