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É assim que os bolsonaristas estão disputando um cargo na direção da Ancine

Com verba milionária, vaga na agência que fomenta o setor audiovisual provoca bangue-bangue de apoiadores do governo.

Criada em 2001 para regular e fomentar o mercado do audiovisual no país, a Ancine vive uma de suas maiores crises e virou um cipoal de fios desencapados dentro de setores do próprio governo e de apoiadores do presidente no Congresso.

Pressionada por uma decisão do TCU (Tribunal de Contas da União) que suspendeu repasses de verba por causa de irregularidades, a Ancine também virou palco de uma briga política entre bolsonaristas em torno do destino de um orçamento de R$ 700 milhões para o audiovisual brasileiro este ano.

Ali, por causa de uma vaga aberta no conselho, estão se engalfinhando o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e o deputado Alexandre Frota (PSL), além do atual presidente do órgão, Christian de Castro, que é remanescente da gestão de Michel Temer.

Onyx quer emplacar o cineasta Moacyr Góes (“Dom” e “Xuxa Abracadabra”). Frota defende o nome do advogado Cleber Teixeira. Já Christian, que é ligado ao ex-ministro da Cultura de Temer, Sérgio Sá Leitão, deseja emplacar seu próprio chefe de gabinete, Juliano Viana. Há um quarto candidato, o produtor do Rio Grande do Sul chamado Beto Rodrigues, que é do Conselho Superior de Cinema e conta com o apoio de alguns sindicatos e associações de classe.

A disputa entre os bolsonaristas na Ancine foi parar nas redes sociais...

Crise da Ancine pode paralisar o cinema brasileiro.E o Onyx e o Osmar Terra vão resolver com um teatrólogo. Parece piada. Estão aparelhando igual ao PT.VERGONHA @AncineGovBr @onyxlorenzoni @PSL_Nacional @RodrigoMaia @democratas #cidadeverde https://t.co/aq92nTCHKw

Tal cenário tem deixado o mercado em polvorosa. Há produtores com medo de não conseguir o financiamento para suas obras e também aqueles que temem o que pode acontecer com suas empresas caso um pente-fino seja passado nas prestações de contas dos recursos públicos utilizados nos últimos anos pelo cinema no país.

Devido à composição da diretoria da agência, o nome que for indicado nos próximos dias para compor a diretoria será o voto decisivo para definir tanto para onde irão os R$ 700 milhões sob o comando da agência quanto a ferocidade com que ela investigará o seu próprio passado de R$ 3 bilhões recheado de suspeitas de irregularidades.

Sinecura do PCdoB desde os governos do PT, a Ancine conta com quatro diretores em seu comando. Diferente de outras reguladoras e devido ao número par da composição, o presidente da entidade possui o chamado voto de qualidade. Nesse caso, para ter maioria, o presidente só precisa de apoio de um dos outros três diretores.

Desde o governo Michel Temer a diretoria da agência estava dividida, com dois diretores ligados à gestão do ex-presidente da agência Manoel Rangel, do PCdoB, e outros dois ligados ao ex-ministro e hoje secretário de Cultura de São Paulo, Sérgio Sá Leitão.

Muitas coisas estranhas que acontecem no Governo vem pela Casa Civil.@onyxlorenzoni Moacyr Góes ligado a TV Globo amigo de Onyx deverá ser o novo Diretor da Ancine. Como podemos ver as coisas só andam rápidas para amigos da Casa Civil.Realmente os Dept.estão certos.@AncineGovBr

Neste cenário, a turma de Sá Leitão vinha prevalecendo em suas posições contando com o voto de qualidade do atual presidente.

A briga pelo comando da reguladora envolve não somente a destinação dos recursos para o cinema, mas também o controle de um processo que pode abrir uma caixa-preta de R$ 3 bilhões distribuídos pela agência nos últimos 10 anos da produção cinematográfica nacional.

A caixa-preta de R$ 3 bilhões

Desde meados do ano passado, Christian de Castro vem se reunindo com o Tribunal de Contas da União para articular um novo procedimento para a fiscalização de contas pela Ancine dos projetos que receberam recursos públicos – condição imposta pelo TCU para que a agência mantenha sua atividade de fomento.

Segundo seus interlocutores, a nova sistemática da agência passará um pente-fino em notas fiscais de prestações de contas que remontam há 10 anos do cinema nacional e até hoje não foram corretamente analisadas – o que tem deixado muitos produtores e agentes públicos preocupados.

No processo que corre no TCU, a corte de contas questiona justamente um procedimento adotado pela agência no final de 2015, chamado de Ancine + Simples, e verificou contas de projetos da gestão anterior, de Manoel Rangel.

Ao averiguar o sistema, o Tribunal viu que somente 5% dos projetos tinham uma avaliação de contas um pouco mais detalhada, fazendo com que 95% das obras com recursos públicos passassem ao largo de uma fiscalização minimamente comprometida com a apuração de ilícitos.

Além disso, analisou prestações de contas aprovadas pela Ancine e identificou diversas irregularidades, como a apresentação de uma mesma nota fiscal em mais de um projeto, uso de notas para justificar despesas de empresas com quadro societário muito semelhante ao da própria produtora que recebeu recursos, uso de dinheiro público para o pagamento de impostos e outras despesas que não seriam elegíveis, e extrapolação, em até 180%, em itens orçados no projeto inicial.

Ao mesmo tempo em que Christian avançava nas conversas com o TCU para promover o pente-fino nos antigos projetos da Ancine, que somam R$ 3 bilhões em produções e têm como foco nos governos do PT, uma alteração aconteceu na diretoria da agência.

Em fevereiro, Mariana Ribeiro, que assim como Christian é do grupo de Sá Leitão, deixou o colegiado para assumir a Secretaria de Cultura da cidade do Rio de Janeiro.

Com isso, o presidente ficou em minoria na direção da agência.

Além dele, estão no comando da Ancine a diretoria Debora Ivanov, que foi indicada pelo governo de Dilma Rousseff, e Alex Braga Muniz.

Briga nas redes sociais

Como tem ocorrido em disputas entre bolsonaristas, a briga para nomear na Ancine foi parar nas redes sociais.

De olho na vaga aberta, Alexandre Frota já se reuniu com produtores de cinema e acabou sendo criticado por parte da militância do PSL pelo fato de ter posado para foto com a produtora Andrea Barata Ribeiro, da O2 Produções, responsável pelo filme “Marighella”.

Na mesma foto também estava o produtor Fabiano Gullane, que já foi sócio diretora da Ancine Debora Ivanov, que é do grupo de Manoel Rangel.

Além disso, o deputado tem criticado Sérgio Sá Leitão em suas redes sociais e pediu, através da comissão de Cultura da Câmara, o afastamento do presidente da Ancine, Christian de Castro.

Nas redes sociais, Frota destaca que o TCU está investigando a agência e citou que Christian foi alvo de uma ação da Polícia Federal em dezembro passado, que investiga a ligação de sua empresa de consultoria com uma produtora que recebeu recursos da Ancine.

Os movimentos de Frota foram interpretados pelo grupo de Sá Leitão como uma associação do deputado à turma de Manoel Rangel na Ancine na disputa por uma vaga da diretoria.

Além disso, dizem que a ação da PF surgiu após denúncias de dentro da própria Ancine justamente devido à disposição de Christian de implementar a decisão do TCU para passar o pente-fino nas contas de todos os projetos incentivados pela agência nos últimos anos.

À deriva

No processo do TCU, que ainda não foi concluído, Christian é citado por ser o atual presidente da agência, mas o foco dos ministros é a atuação de Rangel e seu grupo.

No acórdão publicado no fim do mês passado, que identificou irregularidades na fiscalização de contas, o TCU sugere a responsabilização de Rangel e da própria Debora Ivanov, uma vez que a área técnica da Ancine havia alertado a agência sobre irregularidades em contas e a antiga diretoria resolveu aprovar as peças ou dispensar análises mais apuradas sob o argumento de que, apesar do alerta dos técnicos, as produções não haviam sido sorteadas entre os 5% de filmes que teriam as contas destrinchadas.

No mesmo processo, também são citadas irregularidades num dos filmes da O2 Produções, “À Deriva”, de 2009. Segundo os auditores, cerca de R$ 1 milhão foram gastos a mais que o aprovado sem que uma justificativa apropriada.

A O2, que tem em seus quadros Barata Ribeiro, que estava na foto com Frota, alegou que, entre os gastos extras, sofreu com o preço dos hotéis em Búzios (RJ), algo que não foi aceito pelo corpo técnico do TCU.

“Búzios, no litoral do Estado do Rio de Janeiro, consagra-se como um dos destinos turísticos mais procurados do Brasil, cidade de pequeno porte e com limitações de serviços plenamente conhecidas, não se verificando qualquer margem para admitir que essa consideração possa haver escapado ao planejamento de uma empresa cinematográfica profissional”, diz o acórdão.

Ele apareceu num tuíte do próprio Frota como sendo um nome defendido por Onyx Lorenzoni. Na mesma postagem, o deputado fez críticas ao ministro da Casa Civil.

Em meio ao imbróglio, o ministro da Cidadania, Osmar Terra, tem garantido a interlocutores que ainda não definiu quem será seu escolhido para ocupar a vaga da Ancine. Segundo ele, o ocupante do posto será alguém de perfil técnico, não político.

A decisão de Terra, que definirá os rumos da agência, o destino dos R$ 700 milhões e com que intensidade a Ancine abrirá sua caixa-preta será anunciada esta semana.

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