• newsbr badge

Perguntamos a médicas como o machismo se manifesta na profissão — e como combatê-lo

Discriminação vai de ser chamada de "querida" em vez de "doutora" a ser ignorada na escolha de cargos de direção, passando por questionamentos em entrevista de trabalho sobre planos de ter filhos.

Ana fez cinco anos de medicina e dois de residência em clínica geral. Esperava ser chamada de doutora quando enfim estivesse exercendo a profissão em um hospital. Mas, de vez em quando, é tratada por outros médicos, de quem não é amiga, por “linda”, “fofa” ou “flor”.

Fernanda Queiroz fez uma entrevista de emprego em um dos hospitais de maior prestígio do país, e ouviu a pergunta: “Você pretende ter filhos?”.

A discussão ganhou voz depois que um ranking promovido pela Folha de S.Paulo, em que 882 médicos votaram nos melhores profissionais do mercado, elegeu 27 homens e nenhuma mulher.

“Não entendo bem a metodologia empregada nestas pesquisas”, diz Maristela Monachini, da comissão diretora do departamento de cardiologia do Hospital Sírio-Libanês, que já foi indicada a alguns rankings do gênero. “Acho em geral as amostras pequenas e bastante viciadas, amigos que indicam amigos. Os homens, em geral, aparecem mais nestas pesquisas, porque ocupam a maior parte dos cargos de coordenação e de diretoria. É aí que entra o machismo na medicina.”

“Predominância masculina nos rankings não é uma coincidência, é uma constatação cotidiana de preferência a indicações de profissionais médicos do sexo masculino”, diz a médica intensivista Fernanda Queiroz.

A desigualdade não mora apenas em números ou em prêmios, mas também no dia a dia das médicas.

O Buzzfeed News perguntou a profissionais e estudantes de várias regiões do Brasil se o machismo na medicina existe, como ele se manifesta e quais são as maneiras de combatê-lo.

As respostas você lê abaixo.

Maristela Monachini, única mulher da comissão diretora do departamento de cardiologia do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo

"A nossa sociedade ainda é muito machista, e na medicina não poderia ser diferente. As mulheres médicas são muito competentes e dedicadas. Temos nossas famílias, nossos filhos, nossas casas e também nossa profissão que exige bastante dedicação e estudo.

Muitas se destacam, principalmente no meio científico. Mas a maior parte das instituições médicas é dirigida por homens, que se reelegem entre si.

Como em todas áreas, a participação feminina vem aumentando ao longo das décadas. Temos várias mulheres como professoras titulares nas universidades médicas, com papel relevante nas sociedades médicas e nas instituições médicas.

É um trabalho de formiguinha, mas é um caminho sem retorno. Acredito no caminho de união, e não de confronto com os homens, na construção mais democrática da medicina em nosso país."

Suzane Aguiar de Souza, 21, graduanda do 5° período de medicina na Universidade Severino Sombra, em Vassouras, RJ

“Sou mulher, filha de professores, entrei numa universidade privada com nota do Enem e sou um alvo perfeito para os colegas de classe machistas. Ouvi que sou intelectualmente incompetente por ser mulher, ouvi que não mereço estar aqui por não ter prestado o vestibular da instituição.”

Médica de saúde da família da Bahia que prefere não ser identificada

“Sinto machismo quando sou tratada com apelidos ‘carinhosos’ em ambiente de trabalho: ‘querida’, ‘linda’, ‘fofa’, ‘flor’... E também ao receber cantadas disfarçadas de brincadeira. O tratamento dispensado a médicos é completamente outro, de modo geral muito mais respeitoso. Na minha opinião, esse tipo de tratamento visa reduzir sua importância como profissional, como um prenúncio de que a ‘mocinha’ não será levada a sério.”

Mariana Dias, 41, anestesiologista em Porto Alegre

“Eu nunca senti machismo no trabalho. Não estou dizendo que não exista, mas na minha carreira nunca foi uma questão. Talvez porque eu tenha me esforçado mais do que os homens? Talvez, mas isso eu nunca vou saber.”

Paula Annunciato, 37, neurocirurgiã em São Paulo

“Sofro bem menos machismo do que as mulheres que me precederam. Mas houve alguns casos, sim. Já ouvi que ‘neurocirurgia não é pra mulher’, ou achavam que eu ia desistir. O gênero não determina a capacidade de trabalho. Nunca determinou.”

Elaine Keiko Fujisao, 36, médica neurologista e neurofisiologista clínica em Londrina, Paraná

“O machismo é um tema comum nas conversas com minhas amigas médicas. Todas sentimos, em maior ou menor grau. Fui sócia igualitária de uma empresa recentemente e muitas vezes fui considerada funcionária dos meus sócios, ou com meu voto e interesses sendo vistos como de menor valor. Também sofri assédio moral de diretores de hospitais e de chefes de serviço, que abusaram de seu cargo e de sua posição, preterindo a mim, mulher e jovem, em detrimento de homens.”

Fernanda Maria Queiroz Silva, 40, médica intensivista (especialista em UTI) em São Paulo

"As mulheres geralmente têm dupla função, a medicina e a função de mãe e de dona de casa. Não é possível exercer as duas com dedicação para se sobressair! A mulher terá que fazer uma escolha. Se optar por ter filhos, tem que escolher se se dedica mais à medicina ou mais aos filhos. Eu tenho dois filhos pequenos e era muito dedicada à medicina antes, e agora mudei minha escolha, me dedico mais aos filhos. Não que eu não faça boa medicina, mas não tenho dedicação maior como antes. Acho que essa é a maior dificuldade da mulher na medicina ou em qualquer outra profissão.

Passei por alguns episódios de machismo reais em todas as provas de residência médica que prestei, em 2001, em 2003 e em 2005. Em todas, fui questionada se era casada, se pretendia casar e se pretendia engravidar e em todas fiquei bastante desconfortável com tais perguntas. Já ao ser contratada como médica CLT em 2008, 2009 e em 2010 também, me foi feita esta pergunta sobre filhos. Eu já era casada. Foi de uma maneira mais discreta, mas ainda assim me perguntaram. Tive meus filhos em 2013 e 2014."

Veja mais:

Mulheres são 45,6% dos médicos, mas continuam fora dos rankings de melhores profissionais

Utilizamos cookies, próprios e de terceiros, que o reconhecem e identificam como um usuário único, para garantir a melhor experiência de navegação, personalizar conteúdo e anúncios, e melhorar o desempenho do nosso site e serviços. Esses Cookies nos permitem coletar alguns dados pessoais sobre você, como sua ID exclusiva atribuída ao seu dispositivo, endereço de IP, tipo de dispositivo e navegador, conteúdos visualizados ou outras ações realizadas usando nossos serviços, país e idioma selecionados, entre outros. Para saber mais sobre nossa política de cookies, acesse link.

Caso não concorde com o uso cookies dessa forma, você deverá ajustar as configurações de seu navegador ou deixar de acessar o nosso site e serviços. Ao continuar com a navegação em nosso site, você aceita o uso de cookies.