“Os melhores médicos de São Paulo.” O título da reportagem de capa da revista da Folha de S.Paulo deste fim de semana acertou em cheio, mesmo que não tenha tido essa intenção, ao usar a palavra "médico" no masculino: uma eleição entre profissionais da categoria teve 27 homens como vencedores em diversas áreas de especialidades da medicina. E nenhuma mulher.
A eleição foi questionada nas redes sociais. “O resultado muito provavelmente tem viés do tipo de público entrevistado”, diz a neurocirurgiã Paula Annunciato, que pergunta: “As pessoas ouvidas são jovens? Têm mais tempo de carreira? Quantos homens eram? E quantas mulheres?”.
A Folha afirmou, em um post no seu blog de saúde, que o instituto de pesquisa Datafolha ouviu 822 médicos, e 34% deles eram mulheres. A idade média dos médicos, que votaram por telefone após serem sorteados, é de 52 anos. A idade média dos vencedores, todos homens, é de 69 anos.
"Quase todos os citados são professores das principais faculdades de medicina de São Paulo. Quando houver mais professoras doutoras, teremos mais mulheres sendo citadas", diz Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha.
"Entre os médicos mais velhos, ou seja, que chegaram numa posição de reconhecimento em que são citáveis, a maioria esmagadora é homem (68% entre os 50+, 76% entre os 60+, que são os campeões). Daqui a uns 15, 20 anos, teremos mais mulheres no ranking", afirma Paulino.
Não é a primeira vez que homens monopolizam um ranking de excelência. Em outubro de 2009, a Veja São Paulo publicou uma lista que chamou de “Os Melhores Especialistas”. A revista convidou 110 médicos para votarem nos melhores expoentes de 21 especialidades. Como houve dois empates, foram eleitos 23 nomes. Todos masculinos.
Em março de 2018, a mesma Veja São Paulo fez outra matéria, com o título “Quanto custa a consulta de médicos que são referências no país”. Os 12 médicos apontados eram, de novo, homens. Procurada, a Veja SP não quis se manifestar.
Além das revistas, os rankings também eram feitos em livros. E também eram o reinado de homens. O último “Anuário Análise Saúde”, publicado em 2013, tinha resultado desproporcional. Dos 2.000 profissionais eleitos, 83% eram homens, e 17% eram mulheres. O anuário anterior, de 2010, tinha 16% de mulheres.
Silvana Quaglio, da editora Análise Editorial, responsável pelo guia, afirma que parou de produzir o anuário após pressão de entidades de classe médicas que consideravam a prática anti-ética.
“Mas há vontade de voltar”, ela diz. E, caso houvesse um anuário 2019, Quaglio acredita que ele seria mais feminino. Mesmo que pouco: “A gente veria uma mudança gradual, ainda que não profunda, que é mais ou menos o que vemos entre os advogados. Está aumentando a representação feminina no anuário de advogados. É lento, é gradual, até pela característica dessas profissões”.
O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, que por anos condenou o ranqueamento de médicos, disse que vai divulgar uma nota sobre as listas mais recentes. Quando essa posição for emitida, ela será incluída neste post.
Elas crescem
Nenhum desses rankings é fiel à proporção de gênero na profissão. As mulheres representam 45,6% dos médicos do Brasil, aponta a pesquisa Demografia Médica 2018, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Mulheres são maioria nas faculdades de medicina desde 2004, mostram dados do Censo da Educação Superior. E elas estão chegando ao mercado. Em 2009, passou a haver mais mulheres se registrando a cada ano nos Conselhos Regionais de Medicina do que homens. Em algumas faixas etárias, elas já são maioria: há mais médicas até 29 anos (57,4%) e de 30 a 34 anos (53,7%) do que médicos.
Para se ter uma ideia do crescimento, em 1980, elas eram 23,5% dos médicos. Em 1990, esse número foi para 30,8%. Em 2000, eram 35,8%.
Hoje, 45,6% dos médicos são mulheres. Mas elas continuam ausentes nos rankings de melhores profissionais.