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Apontado como golpista consegue escapar da Justiça, mas não da internet

A Justiça sofre para localizar Bruno Silva de Souza, acusado de dar golpes em brechós. Mas, depois de ser exposto nas redes sociais, pipocaram histórias e processos contra ele. O LDRV foi CSI e fez uma apuração completa. O BuzzFeed News falou com ele.

O 77° Distrito Policial, no centro de São Paulo, está cheio de pessoas jovens e estilosas às 20h do último dia 6. Os donos de dois brechós estão lá para denunciar um golpe que afirmam ter sofrido nas mãos da mesma pessoa.

As sete pessoas na sala de espera da delegacia contam uma história parecida. Um homem de 20 e poucos anos escolheu as peças — em um dos casos pelo Instagram da loja e, no outro, pessoalmente —, fez o pagamento por transferência bancária e saiu com as roupas. De cada loja ele levou meia dúzia de casacos e dezenas de óculos. “Uma compra de R$ 600 logo no primeiro mês do brechó é uma coisa muito boa”, diz o dono de uma das lojas. E era de fato muito bom para ser verdade: o dinheiro nunca caiu.

O comprovante que o cliente entregou para um dos vendedores era de uma transferência agendada para dias depois, que ele cancelou após pegar as mercadorias. No outro caso, o depósito chegou a aparecer na tela da conta do dono do brechó. Mas foi sustado três dias depois — o banco ainda não respondeu o motivo de a transferência ter sido cancelada.

Uma das pessoas que está ali, e que não quer ser identificada, decidiu levar a briga para a internet antes de ir à polícia. Na segunda, dia 4, postou uma foto do acusado em suas redes sociais com a legenda: “Sofri um golpe dele, alguém conhece?”. Em minutos, seu inbox tem dezenas de mensagens contando histórias parecidas.

Um amigo virtual dele, que também se diz vítima do homem da foto, vê o Insta Stories e faz prints de cada pedaço de vídeo e publica as fotos no grupo de Facebook LDRV (Lana Del Rey Vevo), com quase um milhão de participantes. Em pouco tempo, o post alcança 9 mil reações (likes, carinhas bravas e corações) e mais de 4.200 comentários.

Os comentários narram fraude de cartão de crédito, calote em festas de casamento que o mesmo homem teria cobrado para ser fotógrafo — e simplesmente não deu as caras — e venda de ingressos fictícios para um festival de música eletrônica. Mas só serão citadas nesta reportagem acusações que foram levadas à polícia.

Como o golpe dos brechós. Os donos das lojas, que têm centenas de milhares de seguidores no Instagram, querem fazer um boletim de ocorrência, mas não conseguem. O atendente diz que faltam documentos. Eles têm os comprovantes de depósito. Têm prints de conversas que afirmam ter travado com o golpista. Têm áudios de quem dizem ser o homem admitindo que tinha dado o calote.

O atendente da delegacia diz que os reclamantes devem trazer as conversas de WhatsApp impressas em papel, para que o delegado as veja, além de uma carta do banco justificando por que o dinheiro que seria transferido não caiu na conta.

“Ele quer que a gente imprima a internet?”, pergunta-se uma das pessoas que quer fazer o boletim de ocorrência.

O grupo segue para outra delegacia, o 3° Distrito Policial, a um quilômetro dali. O atendente ouve o caso por 15 minutos e diz que eles podem falar com o delegado, pois aparentam já ter evidências suficientes para registrar um boletim. Mas só no dia seguinte: o atendimento ao cidadão funciona até as 20h, e são 20h33.

Na tarde seguinte, cada dono de brechó sai da delegacia com um B.O.: o primeiro por estelionato e o outro por estelionato e ameaça. Em um dado momento na conversa com o dono de um dos brechós, o acusado usou a palavra “pipoco”, e não é pipoca com um erro de digitação.

CSI do LDRV

Enquanto as vítimas dão conta da papelada, chafurdo no post do LDRV. O grupo foi CSI e fez uma apuração completa: disponibilizaram todo tipo de informação sobre o acusado. O cadastro desse homem numa loja de eletroeletrônicos. Fotos dele sem camisa num aplicativo de encontros. Seu RG, frente e verso. O endereço de uma casa onde teria ficado hospedado no Rio durante um ano. Três páginas de sua carteira de trabalho.

Uso o número do seu documento para fazer uma busca no sistema da Justiça. E descubro que há acusações formais contra o exposto do LDRV. Está lá: Bruno Silva de Souza, 25 anos, responde a dois processos. Um por estelionato (fraude com intuito de tirar proveito de outra pessoa) e o outro por dano (prejuízo de bem físico ou de bem moral de outra pessoa).

Os dois processos correm em segredo de Justiça, mas o Buzzfeed News consegue acesso a alguns documentos. As acusações são de golpes parecidos com os narrados na internet. As ações caminham desde 2016, com algum atraso, porque o réu parece ser difícil de encontrar.

Por mais que a queixa de estelionato tenha sido feita em 7 de outubro de 2016, numa delegacia no Paraíso, Bruno só conseguiu ser citado em 22 de março de 2018. A próxima audiência desse processo está marcada para dia 18 de junho.

O processo de estelionato deixa claro que a Justiça pena para achar Bruno. A juíza escreve na peça: “por suspeita de ocultação do réu, determino a citação por hora certa”. Citação por hora certa é quando o oficial de Justiça vai três vezes à casa do réu e não o encontra. Então, ele intima uma pessoa da família ou da vizinhança para que avise quando o réu estiver por perto.

Tento os dez números de telefone (nove celulares e um fixo) que estão registrados no endereço da mãe de Bruno e que foram vazados no grupo de Facebook. Nenhum funciona mais. Decido ir até o endereço da família, na Grande São Paulo, que também é o endereço usado pela Justiça quando tenta encontrar Bruno.

O Jardim Elvira, em Osasco, é um bairro de periferia como tantos outros em São Paulo. Ladeiras esburacadas, tetos de zinco, paredes sem reboco, muitas antenas de parabólica. A casa da família de Bruno é um sobrado protegido por um portão de ferro descascado. Toco. Bato palmas. Nada.

Uma vizinha de cabelos brancos aparece na janela: “Ela não vai aparecer. Não aguenta mais falar com polícia e com gente de tribunal”.

"Não fiz sozinho"

O Estado pode ter dificuldade em achar Bruno, mas a internet não tem. Uma das vítimas concorda em compartilhar um número de celular do Rio que Bruno ainda estaria usando. “Falei com ele ontem, disse que vai fugir do Brasil e tudo.” Consigo o registro do número: é de fato o celular (ou um dos muitos celulares) de Bruno Souza. Tento ligar e sou avisado por uma voz robótica que “Esse número está impossibilitado de receber chamadas no momento”.

Escrevo uma mensagem de WhatsApp:

“Sou repórter do Buzzfeed News e estou escrevendo uma matéria sobre as pessoas que foram à delegacia prestar queixa, dizendo que você pegou roupas das lojas deles e não pagou.”

Em 48 segundos, recebo uma resposta de 17 linhas. Que diz, entre outras coisas: “Eu também tenho meus direitos, não fiz tudo sozinho”, diz ele, que afirma que amigos e ex-namorados “também participaram”.

Pergunto: “E você fez essas coisas de que te acusam?”.

Ele responde: “Algumas sim”.

Mas não responde à pergunta: “Quais?”.

Acusa os acusadores da internet de terem agido mal com ele. “Não [me] expõe, falando até que eu roubei carro. Isso é crime virtual.”

Digo que não vou falar sobre as acusações feitas na internet. Só as feitas na delegacia de polícia. Afirmo que tive acesso aos dois processos em que ele é réu.

Ele responde: “Aliás, tá faltando um processo aí. Rs”. Diz que a terceira ação, que não aparece atrelada ao seu nome, seria porque ele teria estourado o vidro de um colégio público. “Eu quebrei a porra de uma escola e a diretora disse que ameacei ela de morte.”

Outras frases são um termômetro da auto-estima de Bruno. “Você não está falando com alguém leigo, ok?”. “Cara, aprende quando você for fazer algo, tem que ser bem feito.” Diz que trabalhou para uma montadora sueca e que aos 17 anos ia se mudar para a França, o que acabou não acontecendo.

Cita vários nomes: fulaninho “rouba a Renner”, beltrano “pega coisas no mercado”, sicrano “vende droga”, e cobra que eles também sejam objeto de uma reportagem. Explico que, assim como não vou usar o que foi dito dele nas redes sociais, sem acusação formal, apontar dedos sem provas é inútil.

Antes de dizer “já falei demais” e parar de responder, o homem apontado como golpista, e processado três vezes por estelionato, define como se sente com a fama recém-adquirida nas redes sociais: “Você mata uma pessoa pela internet”.


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