Nesta segunda-feira (12), pela primeira vez na história, o Ministério Público Federal apresentou denúncia contra um informante da ditadura militar (1964-85).
O acusado é o médico João Henrique Ferreira de Carvalho, membro da Aliança Libertadora Nacional que ajudou o regime a capturar, torturar e matar três de seus companheiros, em 73.
Segundo a versão oficial, divulgada pelo governo aos jornais à época — já que havia censura na imprensa —, os militantes Arnaldo Cardoso Rocha, Francisco Seiko Okama e Francisco Manoel Penteado foram localizados após um trabalho de inteligência que partiu da própria polícia.
Em 16 de março de 1973, o jornal O Estado de S. Paulo publicou:
As diligências que culminaram com a morte dos três terroristas membros da Aliança Libertadora Nacional — ALN — foram iniciadas no dia 2 de março por ocasião de uma blitz para identificar um grupo envolvido em tóxicos e contrabando. Os policiais foram recebidos a bala ao se aproximar de um suspeito. Na fuga, uma maleta tipo 007 foi abandonada pelo suspeito e apreendida pelos policiais. Dentro dessa mala foram encontrados documentos da ALN. A partir desse momento as investigações foram transferidas para os órgãos de segurança de São Paulo.
O médico admitiu ter sido informante da ditadura em 1992, em entrevista à Veja. Na época, a revista teve acesso a uma lista de ajudantes do regime. "Colaborei mesmo", admitiu Jota.
Como militante da ALN, ele chegou a fugir do Brasil. Em Buenos Aires, mudou de ideia, negociou a rendição e voltou ao Brasil. Como informante da ditadura, passou a ganhar salário.
Foi a revista que ligou o informante à morte dos três militantes pela primeira vez:
Um levantamento feito por antigos militantes da ALN indica que onze pessoas com as quais Jota se encontrou naquela época forma mortas pelas armas do porão — dez delas antes de serem levadas à prisão. Em março de 1973, por exemplo, três integrantes da organização foram fuzilados no bairro da Penha, em São Paulo. Um deles fora contatado por Jota dias antes, e a partir de então uma equipe do DOI não perdeu seu rastro.
Na denúncia apresentada à Justiça, o procurador Andrey Borges de Mendonça mostra que os trabalhos de Jota foram bem recompensados pelo regime militar.
"Em razão dos 'serviços prestados', o DOI-Codi lhe pagou uma operação plástica e lhe conferiu novos documentos", escreve.
DOI-Codi é a sigla para Destacamento de Operações de Informação — Centro de Operações de Defesa Interna, órgão do regime militar responsável pela repressão a militantes de esquerda que combatiam a ditadura.