Pela segunda vez nesta semana, uma reportagem sobre transgêneros — desta vez, na revista Veja — gerou uma campanha na internet contra um veículo de mídia. A hashtag #VejaLixo chegou ao 1º lugar nos trending topics do Twitter.
No domingo (8), uma reportagem do Fantástico, da TV Globo, ocasionou uma campanha contra a emissora nas redes sociais. A hashtag: #GloboLixo.
Logo que a Veja divulgou a capa da semana, na tarde de quinta (12), as pessoas passaram a criticar a revista, dizendo que crianças não têm maturidade para identificar o próprio gênero.
A crítica sobre as crianças ocorreu porque a personagem mostrada na capa, a menina trans Carolina, 6 anos, foi autorizada pelos pais a mudar de gênero há dois anos.
A Veja publicou um depoimento do empresário Anderson de Almeida, 43, pai de Carolina. Ele declarou à revista, entre outras coisas:
"Passamos a notar um comportamento diferente no meu filho a partir de uns 2 anos. Ele tinha muito gosto por coisas femininas, queria brincar com as meninas, punha as fraldas de pano na cabeça e dizia que era seu cabelo (...). Aos 4 anos, já com apoio psiquiátrico, deixamos que se vestisse e agisse como quisesse em qualquer lugar. A mudança foi visível. Hoje nossa filha é dócil e feliz. Mas, até chegar a esse grau de evolução, foi muito sofrimento."
A reportagem da Veja não tem como ponto principal as crianças, e, sim, os sentimentos que pais de transgêneros sentiram com a transição dos filhos. Dos seis depoimentos publicados pela revista, apenas um trata de uma criança trans.
Os outros cinco depoimentos são de pais de trans adolescentes ou adultos, relatando como lidaram com a mudança de gênero. Há dois famosos: o apresentador Marcelo Tas, que tem um filho trans, e o ex-jogador Toninho Cerezo, pai da modelo Lea T.
No caso de Carolina, a revista cita um guia produzido pela Sociedade Brasileira de Pediatria, divulgado em junho, sobre como pediatras podem identificar a disforia de gênero. Escreve a publicação:
"Os sinais podem ser a persistência em vestir-se com roupas do sexo oposto, o forte desgosto pela própria anatomia sexual, a preferência por brincar com pares do sexo oposto — atitudes como essas devem permanecer por pelo menos seis meses, de maneira a configurar uma alteração real, que precise ser investigada minuciosamente. Ao redor dos 2, 3 anos, uma criança já se identifica como menino ou menina de forma mais definida — e, no caso de transgêneros, a inquietação, a sensação de ser uma peça fora do lugar, pode brotar bem cedo, portanto."
A Veja, cuja imagem é associada ao conservadorismo, passou a ser acusada de comunista por militantes à direita, que urgiram a outros, no Twitter: "Cancele a sua assinatura."
Na Carta ao Leitor, intitulada "A Tolerância Salva", a revista relembra outras reportagens que publicou sobre comportamento sexual, desde os anos 80, e agradece aos personagens que aceitaram ser entrevistados para a capa desta semana:
"A reportagem sobre transgêneros integra uma linha nobre do jornalismo de Veja. Em seus quase cinquenta anos de história, a revista sempre dedicou atenção privilegiada às mudanças de comportamento da sociedade, com a motivação de entendê-las e levá-las aos leitores (...). Aos pais e mães que concordaram em contar suas histórias e as de seus filhos, bem como aos transgêneros que receberam a reportagem, Veja agradece o gesto de confiança."