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Agente americano vazou documentos relacionados a investigações da PF

Scott Nickerson, que perseguiu uma brasileira com quem teve um relacionamento extraconjugal, pediu que ela traduzisse informações sensíveis de inteligência sobre grandes traficantes soltos.

O agente especial da DEA (agência antidrogas dos EUA) Scott Nickerson, que ameaçou uma brasileira com quem teve um relacionamento extraconjugal, enviou a ela documentos relacionados a investigações em andamento da Polícia Federal.

O pretexto para enviar os documentos, que continham informações de inteligência obtidas pela DEA — sem especificar a fonte —, era traduzi-los do inglês para o português antes de enviá-los à Polícia Federal brasileira.

Nickerson fez o primeiro pedido de tradução numa mensagem de WhatsApp, em março de 2015. À época, o agente especial enviou a Larissa Carvalho (brasileira com quem tinha um relacionamento e que depois passou a ameaçar) informações sensíveis sobre traficantes internacionais que estavam sendo investigados.

A data do ofício é 13 de abril, mês seguinte às mensagens trocadas entre o agente e Larissa. Isso é importante porque indica que houve um período de algumas semanas em que a informação poderia ter vazado para terceiros e prejudicado a investigação.

Um dos alvos era o colombiano José Esteyman Poveda, chefe do tráfico internacional ligado ao Cartel do Golfo que tinha um pedido de extradição feito pelo Brasil.

"Informações de inteligência da DEA indicam que, em 11 de fevereiro de 2015, Poveda viajou de Bogotá a São Paulo para negociar novos envios de cocaína da Colômbia para o Brasil", registra o relatório enviado pelo agente especial.

"O retorno de Poveda à Colômbia estava marcado para o dia 17 de fevereiro, mas ele voltou [a Bogotá] no dia 12 de fevereiro, um dia após desembarcar em São Paulo."

O documento vazado por Nickerson incluía os celulares de Poveda e nove outros suspeitos ligados a ele. O traficante acabou preso meses depois, em julho de 2016, na Operação Arepa — colaboração da Polícia Federal com autoridades colombianas —, mas não foi extraditado para o Brasil.

Segundo a PF, Poveda fazia a ponte entre a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) e o mercado de cocaína europeu, coordenando o envio da droga a países como Holanda e Bélgica. Uma fonte confirmou ao BuzzFeed News que ao menos dois números de celular listados no documento ainda estão ativos; a informação não foi confirmada independentemente.

O documento foi publicado na íntegra por um usuário anônimo no Twitter, na semana passada, mas dias depois a conta foi suspensa e os arquivos, retirados do ar.

Poveda foi solto pela Justiça da Colômbia, em setembro, e está foragido.

No ofício, enviado ao então titular da Coordenação-Geral de Polícia de Repressão a Entorpecentes do Ministério da Justiça, delegado Cezar Luiz Busto de Souza, a representante da DEA na Embaixada dos Estados Unidos, Kelly W. Krieghbaum, requisitava que a PF interceptasse legalmente os celulares dos traficantes:

"Informações de inteligência da DEA indicam que este grupo enviou recentemente cerca de 800 quilos de cocaína em contêineres, a partir do Porto de Santos (...). É do entendimento da DEA que futuras investigações sobre os associados de Poveda resultarão na identificação de novos, atualmente desconhecidos, traficantes, bem como apreensões significativas de cocaína e bens pertencentes à organização criminosa."

Além do documento sobre Poveda, Nickerson vazou ao menos outros dois ofícios feitos pela DEA e destinados à Polícia Federal.

Num dos casos, Nickerson aparentou ser mais cauteloso, copiando apenas o texto do documento e omitindo detalhes, como a data em que foi produzido.

O ofício descrevia atividades do traficante boliviano Walter Roque Suarez Mercado, que, segundo a investigação da DEA, coordenava o envio de cocaína da Bolívia para o Brasil, a Argentina e o Paraguai, bem como países na África e na Europa.

De acordo com o documento, Roque Suarez levava a droga em caminhões até o Mato Grosso do Sul, onde era disfarçada em cargas de frutas e vegetais e seguia a portos brasileiros, como Fortaleza e Vitória.

O papel continha números de celular que pertenceriam ao traficante, bem como a informação de que ele entrava no Brasil usando um passaporte mexicano. Suarez foi morto a tiros em dezembro passado, na cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero (na com Ponta Porã-MS) e não chegou a ser preso.

Em outro caso, Nickerson escondeu o nome do traficante que estava investigando — mas é possível descobrir a quem ele se refere.

O documento diz respeito a um traficante brasileiro que teria retornado ao Brasil após cumprir pena nos Estados Unidos, desde 2005. Ele teria participado do envio de cocaína à Europa com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

O ofício faz referência a uma operação da polícia paraguaia em novembro de 2004, que teria prendido o traficante com 262 quilos de cocaína. A partir desses detalhes, é possível descobrir que Nickerson está se referindo a Ivan Mendes Mesquita, que foi preso em 24 de novembro de 2004, em sua fazenda no Paraguai.

No documento que o agente enviou a Larissa ele informa que a DEA acredita que Mendes Mesquita retornou ao Brasil em 2014, após cumprir pena nos Estados Unidos, e teria voltado a traficar. A informação se mostrou correta: o traficante foi preso novamente em Ponta Porã (MS), em junho de 2015 — meses após Nickerson vazar o papel.

O BuzzFeed News entrou em contato com o delegado Souza, destinatário dos ofícios sobre o colombiano Poveda e de Ivan Mendes Mesquita. Atualmente, Souza é o adido da Polícia Federal na embaixada de Washington. O adido não quis comentar o teor dos documentos obtidos pela reportagem.

A direção geral da Polícia Federal, em Brasília, também foi acionada, mas igualmente não quis emitir comentários ao ser informada do teor da reportagem.

Em nota, a DEA afirmou que "leva a sério" alegações de má conduta por parte de seus funcionários. "Em junho de 2016, o Gabinete de Responsabilidade Profissional da DEA iniciou uma investigação sobre essas alegações. O assunto continua sob análise do processo disciplinar e não podemos comentá-lo", diz o texto.

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