Foi dada a largada para a reprodução de "bebês com três pais"

    O Reino Unido concedeu uma licença para a doação mitocondrial, e os primeiros bebês gerados a partir da técnica podem nascer já em 2017.

    As primeiras gestações de "três pessoas" podem acontecer já no ano que vem, depois que a Autoridade de Fertilização e Embriologia Humana do Reino Unido (HFEA, na sigla em inglês) aprovou o uso da doação mitocondrial para permitir que mulheres com doença mitocondrial possam ter filhos saudáveis. A decisão segue a recomendação de um painel de especialistas reunidos pela HFEA, que disse que a técnica deve ser colocada em prática com cautela.

    A decisão foi bem recebida pela comunidade científica. O professor Sir Mark Walport, consultor científico do governo, disse em uma declaração: "O Reino Unido lidera o mundo no desenvolvimento de novas tecnologias médicas. Esta decisão demonstra que, graças a organizações como a HFEA, também estamos à frente no mundo em nossa capacidade de ter um debate público rigoroso em torno de sua adoção".

    A maioria das células do nosso corpo contém muitos milhares de mitocôndrias, organelas que fornecem energia à célula. Elas são descendentes de bactérias e têm seu próprio DNA, não relacionados ao DNA no resto de nossas células. Você herda suas mitocôndrias de sua mãe, e o DNA mitocondrial pode causar doenças graves quando sofre mutações.

    Porém, é possível a retirada do núcleo de um óvulo e a implantação em um novo, utilizando novas técnicas de fertilização in vitro (FIV), deixando quase todas as mitocôndrias mutantes para trás e – assim é esperado – prevenir que a doença mitocondrial seja passada para os filhos. No ano passado, o Parlamento britânico fez uma votação para legalizar as técnicas, e a HFEA vem desde então refletindo sobre a ideia e buscando uma maneira de colocar isso em prática.

    Um porta-voz da HFEA disse, em uma coletiva de imprensa após a recomendação do painel, que, se tudo correr conforme o esperado, as primeiras tentativas de gerar um bebê usando as novas técnicas poderão ir adiante no início do próximo ano.

    A doença mitocondrial é rara – afetando cerca de uma pessoa em cada 10 mil, e talvez 3.500 mulheres no Reino Unido, de acordo com o painel HFEA, sofram desta condição. Apesar disso, a situação delas é "cruel", segundo Liz Curtis, fundadora da Fundação Lily, ao BuzzFeed News. Sua filha Lily, por exemplo, era portadora da doença mitocondrial e morreu aos oito meses de idade. "É uma doença muito, muito cruel", disse ela. "Pode ser fatal e, se não tirar a vida da criança logo cedo, ao longo do tempo acaba com a energia de seu corpo, atacando lentamente cada órgão até o colapso total."

    "É cruel ver o seu filho morrer sabendo que não há cura e nada que você possa fazer, e é um outro golpe saber que você carrega o gene que muito provavelmente será passado para outras crianças no futuro." Ela disse que a recomendação da HFEA é um "enorme passo adiante".

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    A recomendação atual para as mulheres que têm um histórico familiar de doença mitocondrial e que querem ter um bebê é o "diagnóstico genético pré-implantacional" (DGPI). As mulheres são submetidas a um tratamento de FIV normal – seus óvulos são colhidos, juntamente com o esperma do seu parceiro ou doador, e são fertilizados no laboratório. Antes da implantação, os níveis de mitocôndrias mutantes nos embriões fertilizados são testados. Se forem baixos o suficiente, eles são implantados, e muitas vezes geram crianças com poucos ou nenhum sintoma.

    O DGPI é uma opção "excelente" para as mulheres que têm apenas níveis baixos de mitocôndrias mutantes, disse Frances Flinter, professora de genética clínica na Guy’s and St Thomas’ NHS Trust, em entrevista coletiva à imprensa. No entanto, para as mulheres que têm níveis muito elevados de mitocôndrias mutantes, o DGPI não pode oferecer qualquer ajuda, porque será impossível produzir embriões seguros usando seus óvulos.

    Além disso, disse ela, se você definir o limiar "seguro" em um nível muito baixo, você pode não obter qualquer embrião viável. Por outro lado, ao defini-lo muito alto, a doença pode se manifestar na criança. "O DGPI é uma técnica de redução de risco", disse ela. "Não elimina a doença, mas reduz a probabilidade de sintomas graves."

    As técnicas de doação mitocondrial – das quais existem dois tipos principais, "transferência do fuso materno" (TFM) e "transferência pró-nuclear" (TPN) – reduzem ainda mais o risco, disse Robin Lovell-Badge, professor de genética do desenvolvimento no Crick Institute e outro membro do painel da HFEA. "Se você está buscando uma nova técnica, você quer que ela seja melhor do que a técnica antiga", afirmou.

    Tanto a TFM como a TPN reduzem os níveis de mitocôndria com mutação nos embriões para menos de 2% e, por vezes, menos de 1%, disse ele, em comparação com os limiares "seguros" para o DPN, que às vezes chegam a 30%.

    Ocasionalmente, após a doação, um embrião aparentemente saudável pode se "reverter" – ou seja, os níveis baixos de mitocôndrias mutantes podem voltar a um nível perigoso. Os estudos concluíram, incluindo um publicado hoje na revista Nature, que isso aparentemente ocorre uma vez a cada seis ou oito casos.

    No entanto, Flinters disse ao BuzzFeed News, seria muito improvável que isso levasse uma criança a nascer com doença mitocondrial, porque a situação seria detectada por testes durante a gravidez. "Recomendamos que seja fornecido o diagnóstico pré-natal aos pais em torno da 15ª semana de gravidez", disse ela. "Da 15ª semana até o nascimento, os níveis de mitocôndrias saudáveis são muito estáveis."

    No que diz respeito aos possíveis pais, o procedimento de doação mitocondrial seria indistinguível da FIV normal, disse Darren Griffin, professor de genética na Universidade de Kent, ao BuzzFeed News. "A paciente não ficaria sabendo de nada diferente", disse ele. "Há um doador envolvido, mas fora isso é a mesma coisa."

    Uma medicação para suprimir o ciclo menstrual e aumentar a oferta de ovos será fornecida à futura mãe. Em seguida, os óvulos seriam colhidos através da vagina, usando um ultra-som para orientar o procedimento. Na TFM, o núcleo do ovo seria retirado neste ponto e implantado em um óvulo saudável a partir do qual o núcleo foi removido.

    Em seguida, o óvulo seria fertilizado com esperma. No TPN, o núcleo fecundado do novo embrião seria removido neste ponto e implantado em um embrião saudável.

    Em seguida, os embriões seriam testados para a verificação dos níveis de mitocôndrias mutantes, e aqueles com níveis suficientemente baixos seriam oferecidos para implantação no útero da mulher, utilizando um cateter, como na FIV normal. A paciente seria submetida à amniocentese, um teste para verificar se o feto ainda está saudável, por volta da 15ª semana.

    As licenças para realizar a técnica serão concedidas pela HFEA aos centros que se enquadrarem nas normas requisitadas e, em seguida, uma permissão terá que ser dada paciente a paciente. "Eu não consigo imaginar um grande número de pessoas utilizando a técnica", disse Griffin. "Talvez centenas por ano, não mais do que isso."

    "Mas as doenças que isso causa são terríveis, e os meios de tratamentos são muito limitados."

    Este post foi traduzido do inglês.

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