Político tem Deus e família como valores, mas em 1º lugar a reeleição, diz Gilmar Mendes

    Na entrevista ao BuzzFeed News, além de reforma política, ele também disse que não se viu impedido de soltar o empresário dos transportes Jacob Barata Filho. "Meu contato [com ele] se restringiu ao dia do casamento", disse.

    O presidente do TSE e ministro do STF, Gilmar Mendes, acredita que o chamado distritão é um modelo feito sob medida para reeleger os atuais donos de mandatos do Congresso Nacional.

    Apesar disso, ele pondera que vale a pena implementar o modelo em 2018 caso seja aprovada a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que garante o voto distrital misto a partir de 2022.

    Mendes também comentou que, caso o Senado aprove a PEC que permita a volta do financiamento empresarial de campanhas, o Supremo não derrubaria novamente as regras.

    Em entrevista ao BuzzFeed Brasil, o ministro ainda falou sobre sua relação com o empresário Jacob Barata Filho e fez críticas ao Ministério Público Federal dizendo que o "Estado de direito não tem soberanos, se o MPF passou a se achar soberano nesse contexto, equivocou-se. Se o STF deixou que eles abusassem, certamente vai estabelecer balizas, pois essa é a função do STF”.

    Veja abaixo os principais trechos da entrevista:

    Ministro, a decisão de soltar o empresário Jacob Barata Filho gerou polêmica devido ao fato de o sr. ter sido padrinho de casamento da filha do empresário. Não teria sido melhor ter pedido a redistribuição do caso?

    Não há nenhum impedimento para que eu julgue o caso. Não mantenho relações com a família. Meu contato se restringiu ao dia do casamento.

    O sr. foi alvo de protestos nesta segunda devido à decisão. Teme ser alvo de novas hostilidades?

    As manifestações são legítimas. Vivemos numa democracia. As pessoas não têm as informações que estão nos autos, do que nós estamos analisando, se é constitucional ou não.

    Desde os embates do sr. com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, muitos procuradores afirmam que o sr. é o inimigo da Lava Jato, o que acha disso?

    Imagina... O que eu acho é nesse contexto e tem responsabilidades nossas. Nós estamos vivendo uma nova fase. Antes, em algum momento, em 2006, 2007, houve um impulso na linha de que supremos são os policiais federais. Era um pouco a ideologia do Paulo Lacerda, tem que prender de qualquer jeito, a procuradoria um pouco de arrasto apoiava. Agora, o contexto é outro.

    Qual?

    Tenho vários votos a favor da Lava Jato, acho que a Lava Jato cumpre uma função importantíssima de revelar todas essas mazelas da vida política e da vida econômica nacional, os grandes campeões que foram gerados dessa maneira. Contou uma história de uma forma especial de governar, de conceber o Estado, acho isso extremamente importante. Mas, por isso, eles estão acima da lei? Obviamente que não.

    Como assim?

    Eles podem reescrever a lei de delação? Não. A lei de delação é o limite deles. O poder de investigação tem que ser observado. Nós assentamos, basta ver em meu voto [sobre o poder de investigação do MPF], que essa função seria subsidiária.

    Mas agora se fala em 2.800 PICs, como eles chamam os procedimentos de investigação criminal, no gabinete do Janot. Ou que sejam mil, quem é que está controlando isso? Quer dizer, precisa ter lei para balizar isso.

    Quando se abre um inquérito, você passa a ter conhecimento que está sendo investigado. Hoje não.

    Esse episódio agora [do encontro fora de agenda] entre [a próxima PGR] Raquel Dogde e o presidente Michel Temer. Porque que Raquel foi falar [pessoalmente] com Temer, perguntou o [colunista Elio] Gaspari? Porque ninguém hoje confia num telefone em Brasília. Todo o mundo acha que está sendo grampeado ilicitamente.

    O que deve ser feito?

    O que falo são de balizas. E mais do que isso, Estado de direito não tem soberanos, se o MPF passou a se achar soberano nesse contexto, equivocou-se. Se o STF deixou que eles abusassem, certamente vai estabelecer balizas, pois essa é a função do STF. Agora, nada contra, quero que eles sejam felizes nas investigações.

    A última discussão sobre reforma política na Câmara trata do distritão misto, sem paralelo no mundo. O sr, que preside o TSE, considera um sistema viável?

    É tanta invenção… Eu vou esperar, se não ficamos palpitando sobre o pedaço do filme que está passando e ainda sem conclusão. O que acho é que a gente produziu uma geringonça, inclusive com nossa contribuição [do STF], com a proibição do financiamento [privado nas campanhas].

    Como assim?

    A atual situação está pior que anterior. Nós não temos doação corporativa, não temos chance de estabelecer limite e o financiamento público será sempre insuficiente. Só para ter uma ideia, os candidatos a deputado federal declararam, e não significa que eles gastaram menos, gastaram mais muito provavelmente, R$ 5 bilhões nas eleições 2014. Se você considerar, e não é um cálculo perfeito, mas vamos dizer que eles mentiram em pelo menos um terço, portanto é esse o custo de campanha. Se você traz três bilhões de reais e pouco já não é suficiente para candidatos a deputado federal mantendo o sistema que esta aí.

    Mas há uma perspectiva de se aprovar o distritão para 2018 e avançar para o distrital misto em 2022.

    Eu acho um progresso a ideia de um distrital misto. E compreendo também por quê. Veja, primeiro perdemos muita energia com outros debates, ficou um espaço muito curto para criar massa crítica e tudo o mais. Por outro lado, as reformas complexas também exigem maturação.

    Esta reforma atual está muito açodada?

    Não dá tempo, você se vê num filme, se vê num espelho, eu sou amanhã candidato. Estou votando essa reforma para em menos de um ano ser candidato, pois campanha começa daqui a pouco. Eu já sou candidato, sei que vou para reeleição. Fica muito difícil você, digamos, fazer um modelo mais racional. A coisa do distritão é notório que é um cálculo, que está acomodando. Eu já sou conhecido, já fui candidato, o distrito é minha praia, vou nadar na minha praia.

    Há críticas de que o distritão é para reeleger deputados que poderiam não conseguir por causa da Lava Jato.

    Não. Isso é bobagem. Quer dizer, independente de negócio de prerrogativa de foro, você já viu um político que não quer se reeleger? Já se disse em relação ao parlamento que tem vários valores que as pessoas têm lá, família, propriedade, Deus, em ordens diferentes, mas a primeira é reeleição.

    No Congresso há quem diga que se o distritão for o preço a pagar para se ter o distrital misto em 2022 vale a pena.

    Eu acho que sim.

    Na questão do financiamento, há possibilidade de o Senado aprovar uma PEC que já passou pela Câmara para permitir que as empresas possam financiar partidos. O Supremo, que proibiu o dinheiro de empresas nas campanhas, deixaria isso voltar caso a PEC seja aprovada?

    Acredito que sim. E ali [no STF] o que se apontou, eu até agora não consegui perscrutar o fundamento daquela decisão... Mas, o que eu consigo perceber foi no sentido de que esse modelo não dá mais. Não é que somos contra o financiamento privado, é que esse modelo não dá mais. E o que se faz nesses casos quando se diz que esse modelo não dá mais? É aperfeiçoá-lo. O que se achava era que não tinha limite para gastos. Bom, então tem que estabelecer. Até porque aquela decisão [de acabar com financiamento empresarial] foi tão aventureira que, levada a ponta de faca, teria que anular todas as eleições para trás.

    Certamente alguém vai provocar [o STF a se manifestar caso a PEC seja aprovada], mas está tanto bater cabeça que se o STF jogar no chão uma PEC, o que não acredito, vai ter que colocar algo no lugar.

    Há o financiamento por pessoa física.

    Ai você pega o que a gente tem. Dos 712 mil doadores [pessoas físicas], agora na eleição municipal, que, claro, não é o paradigma perfeito [para comparar], mas é a primeira sem financiamento, é gente [doando] que aparentemente não teria recursos. (De acordo com a receita Federal, dos 712 mil doadores, 380 mil não apresentaram declarações de bens).

    Ainda que você exclua o militante que vai lá fazer campanha e doa o dia de serviço, vamos admitir isso, tudo indica que temos um laranjal já instalado. Quer dizer, aquilo que já falei também antes, captar CPF e doar dinheiro.

    E é uma porta aberta. Pode ser coisas menores. Eu tenho R$ 100 mil e vou chamar pessoas para doar. Menos mal. É meu dinheiro, é lícito, e coloquei. Mas essa porta, você sabe bem, pega crime organizado.

    O que o sr. achou de no meio da reforma se fixar mandatos de 10 anos para ministros de tribunais superiores?

    Totalmente fora do lugar, heterotópico. A questão do mandato para corte constitucional se pode discutir, no mundo todo tem modelos que aceitam isso. A questão é como se coloca isso e acoplar isso com mandatos em tribunais superiores, mandatos dos eleitos pelo quinto [advogados e procuradores que assumem um quinto das vagas em tribunais]. Se está misturando. mas, não que não tenha necessidade de fazer nova reforma do judiciário, basta ver os escândalos do teto.

    O sr. que já foi presidente do STF, acredita que um dia o teto será cumprido no Judiciário?

    Eu acho que quando se voltar o Estado de Direito ao Brasil certamente vai haver, porque juiz vai cumprir lei e certamente em algum momento… O que estamos nos tornando é uma República corporativa, em que as corporações é que escrevem a Constituição.


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