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Como foi o primeiro fim de semana no Rio de Janeiro sob intervenção federal

“Tem aqui 12 cadáveres, a maioria foi tiro. Isso é Rio de Janeiro, filho.”

"Tem aqui 12 cadáveres, a maioria foi tiro. Isso é Rio de Janeiro, filho."

Foi com essas palavras que o plantonista da Polícia Civil recebeu a reportagem do BuzzFeed News na manhã do último domingo (25) no Instituto Médico Legal no centro do Rio de Janeiro.

Apesar do o Estado estar sob intervenção federal, quem trabalha no local disse que nada mudou no primeiro fim de semana após o Congresso aprovar o decreto que colocou os militares no comando da segurança fluminense.

A toda hora familiares de vítimas da violência chegavam ao IML — entre eles, muitas mães que perderam seus filhos adolescentes ou no início de seus 20 anos.

O script era semelhante a todos. Num primeiro momento, com semblantes fechados, apresentavam documentos para o encarregado. Após alguma espera, eram levados para reconhecer o corpo.

As mães, que até então não vertiam lágrimas, voltavam da sala gritando e chorando.

Vítimas da violência, os familiares pouco falavam com a reportagem — não queriam ter seus nomes divulgados nem comentar sobre como seus parentes haviam sido assassinados.

O primo de um jovem que havia sido morto na madrugada de sábado limitou-se a dizer que seu parente havia feitos uma escolha de vida que poderia levar à morte, e isso acabou acontecendo.

Apesar da contagem de corpos no IML, nem a Polícia Civil nem a Secretaria de Segurança do Rio informaram os números da violência do último fim de semana do Rio sob intervenção.

Quem vive na cidade ainda aguarda os efeitos práticos que devem surgir com a troca do comando da segurança no Estado.

Desde a edição do decreto do presidente Michel Temer, não houve deslocamento de forças nem a presença ostensiva de homens fardados no município.

Até agora, somente ações pontuais foram realizadas, como a inspeção num dos presídios e a ocupação, por um dia, de três comunidades, entre elas a Vila Kennedy, onde moradores só eram autorizados a ingressar ou sair da favela após a apresentação de documentos e de terem suas fotos registradas por militares, que faziam uma checagem de mandados de prisão em aberto e antecedentes criminais.

A situação causou constrangimento para diversos moradores. Em alguns dos acessos, o procedimento era rápido, em outros, filas foram formadas.

Destacados para a operação, os militares não foram truculentos — cada vez que alguém reclamava do procedimento, um militar de patente mais elevada tratava de conversar e tentar apaziguar a situação.

Ao BuzzFeed News, alguns moradores, mesmo reclamando do procedimento, disseram que era melhor passar por tal situação e ter um local com segurança do que seguir sob o controle do tráfico.

Na Vila Kennedy, nas cerca de três horas em que a reportagem acompanhou a operação, nenhum incidente com tiros foi presenciado e era possível andar por toda a área da favela.

No local, os militares retiraram algumas barreiras colocadas pelo tráfico para impedir o ingresso dos "caveirões" na favela e entregavam panfletos com o número de um disque denúncia para os moradores.

Nem todos aceitavam os papéis. Segundo relatos dos moradores, é um risco aceitar esse tipo de panfleto, pois, com a saída do Exército, criminosos chegam a agredir pessoas para evitar que elas usem o serviço e denunciem os bandidos.

Depois de um dia de ocupação, o Exército deixou o local — e, pouco tempo após a saída, a favela, que estava segura e pacífica, voltou à sua rotina.

Um dos moradores disse à reportagem que por volta das 21h as bocas para a venda de drogas já estavam funcionando normalmente e os criminosos tinham novamente o controle do local.

UNIÃO DAS FAVELAS

A reportagem percorreu também bairros da zona sul, como Ipanema, Copacabana, Leblon, Jardim Botânico, Leme e Botafogo. Nestas regiões nobres da cidade, os militares eram temas de conversas, mas não se faziam notar. No final de semana, a vida nos bairros que são destino turístico no Rio aparentava normalidade.

Enquanto a intervenção é assunto presente nos jornais e nos debates políticos, líderes comunitários das favelas tentam, de alguma forma, se preparar para futuras ações militares.

No sábado, no Morro dos Tabajaras, uma reunião juntou 18 líderes de comunidades de todas as regiões da cidade. Lá havia representares, por exemplo, da Rocinha, Morro do Alemão, Santa Tereza e Vidigal, entre outros.

A União Comunitária, como é conhecida a entidade que reúne os líderes, fez um debate sobre a intervenção e sobre a realidade de cada comunidade.

Uma das principais preocupações externadas diz respeito à falta de diálogo.

Os líderes reclamava que, diferentemente do que acontece em situações normais de governo, quando há interlocução com políticos, secretários e com a prefeitura, dessa vez nada existia.

“Nós não sabemos a quem recorrer. Não fomos ouvidos sobre a GLO [operação de Garantia da Lei e da Ordem], sobre nada", disse o líder da comunidade de Santa Marta, José Mário.

"Não sabemos como vai ser a intervenção. Vai ser uma na zona sul e outras nas favelas? Vai seguir só com tiro, porrada e bomba nas favelas? A quem a gente vai recorrer se existir algum abuso?”, questionou.

Perdidos em meio à intervenção, decidiram procurar o Ministério Público, a Defensoria Pública e até mesmo o governador Luiz Fernando Pezão (MDB) para tentar, por meio deles, conseguir uma agenda com o interventor, o general Braga Netto.

Na reunião, também foram discutidos os mandados de busca coletivos. Apesar de críticos da medida, a maioria deles disse que as reclamações partem muito mais da classe média carioca que das próprias favelas.

Um dos líderes, Flávio de Santa Tereza, disse que as buscas coletivas hoje já são uma realidade, que a polícia quando entra no morro vai em qualquer casa que quiser.

O real problema que temem com as buscas coletivas se dá nos casos em que moradores já não estejam em suas casas.

De acordo com os líderes, portas serão arrombadas e o dono do local, quando retornar do trabalho, terá tido sua residência saqueada.

Em que pese tal situação, os representantes acreditam que as buscas coletivas serão uma realidade, e devido a isso vão fazer reuniões com os moradores para dar orientações sobre como se comportar nas abordagens.

Segundo eles, é importante abrir a porta, seguir com o que se está fazendo, deixar que olhem o que quiserem e não falar muito com os militares.

Deve-se dar bom dia e boa tarde, somente. Caso algum morador tenha uma proximidade maior com os militares, corre o risco de ser retaliado pelo tráfico.

Já houve casos de mulheres que, em operações anteriores, agradeceram as ações e abraçaram soldados, e acabaram sendo agredidas por bandidos ao fim de ocupações.

O NOVO CRIMINOSO

Uma situação que também teve destaque na reunião da União Comunitária diz respeito ao novo tipo de criminoso que está nas favelas.

Vários dos líderes disseram que num passado recente os empregados do tráfico eram conhecidos. “Antes você via o menino e falava com ele. Olha, eu conheço seu pai, te conheço desde moleque, te vi crescer. Hoje isso não existe mais”, disse Xaolin da Rocinha.

Segundo os relatos, os chefes do tráfico hoje operam como que numa grande empresa, alocando jovens nos morros onde há vagas. Com isso, não há mais relação de proximidade entre os moradores e os bandidos que operam na ponta do negócio.

Isso tem gerado ainda mais problemas para quem vive nas favelas, pois, sem vínculos, a violência contra moradores é ampliada.

Em meio ao cenário de incertezas, a União Comunitária quer tentar fazer reuniões com maior frequência e seguirá tentando encontrar algum ponto de contato as autoridades de segurança no Rio de Janeiro sob intervenção.

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