Mulheres criam banco de imagens que contesta mitos sobre a violência doméstica

    O objetivo é conscientizar as pessoas de que o abuso em um relacionamento nem sempre se manifesta por meio da violência física.

    Duas ONGs da Escócia se uniram para criar um banco de imagens que ajude na conscientização sobre a violência doméstica.

    O projeto, batizado de One Thousand Words [Mil Palavras], foi criado pela Scottish Women's Aid e pela Zero Tolerance. O objetivo é conscientizar as pessoas de que o abuso nem sempre se manifesta por meio da violência física.

    A ideia surgiu após um recente projeto de lei de violência doméstica na Escócia que visa tornar crime comportamentos coercitivos e controladores.

    Brenna Jessie, que trabalha na Scottish Women's Aid, disse ao BuzzFeed News que as fotos foram dirigidas por sobreviventes de violência doméstica que ligaram para a linha de apoio da ONG no passado.

    Muitas das mulheres — que estavam em relacionamentos abusivos, mas não fisicamente violentos — não tinham certeza se o que estavam vivenciando era abuso.

    "Embora a violência física possa fazer parte de um relacionamento abusivo, o abuso emocional sempre faz parte de um relacionamento abusivo", disse Jessie. "Existem diversas táticas diferentes de controle, humilhação e degradação."

    As imagens serão disponibilizadas a jornalistas, para ajudá-los a usar representações de abuso mais informadas e variadas ao escrever sobre o assunto.

    Jessie disse ao BuzzFeed News que já soube de casos em que as mulheres tiveram que comer comida do chão, eram impedidas de usar produtos sanitários ou tiveram suas contas bancárias congeladas. "As mulheres ligavam e diziam: 'Não sei se isso conta como abuso'. É algo que a Women's Aid tem ouvido há 40 anos", disse ela.

    "A violência doméstica é caracterizada fundamentalmente pelo controle e pelo poder, e tudo isso pode acontecer sem o uso de nenhuma violência física."

    Parece haver uma discrepância no entendimento geral das pessoas sobre o que é violência doméstica, disse Jessie. Assim, muitas mulheres não entendem o que estão vivenciando e não buscam ajuda.

    "Também foi fundamental afastarmos a ideia de que [apenas] mulheres jovens, brancas e lindas com cabelos longos, macios e arrumados sofrem violência doméstica", continuou Jessie. "Tentamos mostrar uma representação mais ampla das mulheres."

    Parte do problema são as formas pelas quais esses problemas são ilustrados na mídia, disse Jessie. "Pode haver um artigo muito bom [sobre violência doméstica], mas acabam usando uma imagem muito forte de uma mulher com um olho roxo e um punho enorme se aproximando", acrescentou.

    "Um dia eu meio que perdi a paciência e liguei para um dos jornalistas que havia feito isso. Eu disse a ele: 'Por que você fez isso? É um artigo muito bom, mas você o ilustrou com essa imagem horrível que o contradiz completamente.'"

    A Scottish Women's Aid contratou a contadora de histórias e fotógrafa Laura Dodsworth e, durante um período de três dias, conversou com as sobreviventes de violência doméstica, que foram as diretoras de arte do projeto.

    "Examinamos as imagens que a imprensa usa para representar a violência doméstica, falamos sobre a relação delas com suas experiências, o que faltava e o que estava errado nessas imagens", disse Jessie.

    Uma sobrevivente que participou do projeto disse que, nas fotos usadas pela mídia para ilustrar a violência doméstica, havia muito espaço entre as pessoas.

    "Na vida real, seu parceiro pode estar bem na sua cara. Às vezes, nas fotos, a criança é mostrada ao lado, mas, na maioria das vezes, a mãe vai até a criança, a protege e a consola, independente de qualquer coisa", disse a mulher.

    "As modelos sempre são jovens e bem arrumadas, mas, nessa situação, você nem sempre tem tempo para combinar sua roupa nem dinheiro para comprar roupas boas. Eu usava roupas que tinha ganhado, ou de algum bazar de caridade, que poderiam ter uma numeração três ou quatro vezes maior que a minha."

    Outra sobrevivente que ajudou com o projeto disse que passou muito tempo negando que estava sofrendo abuso.

    "Levei quatro anos para reconhecer minha situação", disse ela. "Eu costumava trabalhar em serviços para mulheres. Isso tornou ainda mais difícil pedir ajuda, porque não achei que isso deveria estar acontecendo comigo. Mantive meu trabalho e minha frente profissional. Quando finalmente conversei com as pessoas, elas disseram: 'Mas você é tão forte'."

    Uma avó de 60 anos, que também ajudou com o projeto, disse que seu parceiro era extremamente controlador. "Meu parceiro fez coisas como cancelar meu plano de telefone, congelar minha conta bancária e reter minha medicação", disse ela.

    "Ele me disse que, se eu voltasse a trabalhar, o relacionamento acabaria. Eu era totalmente controlada. Meu contato com minha família e meus amigos mais próximos foi cortado."

    Lydia House, porta-voz da Zero Tolerance, disse que a ONG ficou impressionada com o entusiasmo demonstrado por todos os envolvidos — modelos, editores de jornais e sobreviventes de violência doméstica que desenvolveram o conceito criativo para as fotos.

    "Todos reconheceram a necessidade de uma representação mais precisa e mais sensível por parte da mídia", disse ela. "Existe uma vontade real de mudar a representação sobre a violência doméstica."

    House reconheceu que ainda há muito trabalho pela frente. A ONG criou a Handle With Care — uma página para jornalistas buscarem orientação ao relatar a violência contra as mulheres. Com mais recursos, elas gostariam de expandir esse projeto para garantir que mulheres de diferentes etnias, idades, classes e tipos de corpo sejam representadas.

    "Embora o One Thousand Words represente uma melhoria palpável, sabemos que ainda há muito trabalho pela frente. As pessoas ainda querem uma diversidade maior, pois há muitas mulheres que não estão representadas em nossas fotos", disse ela.

    "Por enquanto, queremos garantir que o maior número possível de agências de notícias tenha acesso a essas imagens — o uso delas é gratuito, e elas farão uma diferença real em relação à percepção dos leitores quanto à violência doméstica."

    Este post foi traduzido do inglês.

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