Celso de Mello, o ministro com mais tempo de Supremo Tribunal Federal em sua atual composição, é conhecido por seus votos densos, invariavelmente longos, e por sua lhaneza no trato aos colegas, mesmo quando deles discorda.
Mas as recentes discussões sobre as prisões em segunda instância parecem ter feito o ministro sair de sua zona de conforto, instando-o a dar declarações não tão fraternas sobre um de seus pares. Ou melhor, uma: a presidente da corte, Cármen Lúcia.
A história toda começou quando a presidente do STF concedeu uma entrevista à Rádio Itatiaia. Nela, disse que Celso pediu que uma reunião entre os ministros fosse realizada para discutir a inclusão na pauta de ações que tratam sobre a antecipação de condenações.
Nos bastidores, parte do STF entendeu o movimento de Cármen como uma forma de pressionar o grupo que quer acabar com as prisões em segunda instância, do qual Celso faz parte, colocando a opinião pública contra ele.
Além disso, haveria um bônus para Cármen. Já tendo dito publicamente que é contrária à revisão da possibilidade de condenação antecipada, ela acabaria sendo pintada como o bastião da resistência contra a mudança — que, fora salvar um grande número de presos por corrupção, poderia evitar a detenção do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na expectativa da reunião, o meio político e jurídico passou o último fim de semana tentando prever o que poderia acontecer após o encontro dos ministros e se o STF alteraria ou não seu último entendimento sobre as prisões em segunda instância.
O debate ganhou também as redes sociais e a hashtag #ResistaCármenLúcia chegou a ficar entre os assuntos mais comentados no Twitter.
Nesta terça, pela manhã, a tão esperada reunião começava a dar sinais de que poderia não acontecer.
Em conversas reservadas, ministros diziam que não haviam sido convidados para o evento.
Ao chegar ao STF, começaram a dizer o mesmo a jornalistas.
Por volta das 14h30, Celso de Mello apareceu na corte e resolveu falar sobre a reunião.
Tal como fez Cármen Lúcia, quando lhe expôs à opinião pública, ele também trouxe à tona brigas que até então ficavam restritas aos corredores do STF.
Segundo ele, o único motivo de ter sugerido a realização de uma reunião entre os ministros foi para evitar que Cármen fosse cobrada publicamente, em meio a uma sessão plenária do Supremo, sobre suas negativas em pautar processo já liberado e de interesse de julgamento por pelo menos metade da corte.
Tal cobrança, nas palavras do decano, representaria algo inédito na história da corte e poderia causar grande constrangimento à presidente.
Além disso, disse que, se a reunião não foi convocada para esta noite, como era previsto, a responsabilidade era de Cármen Lúcia, que não convidou seus pares.
Ainda não satisfeito, e mesmo evitando ser taxativo, disse que, sem uma conversa entre os magistrados, não seria impossível que a cobrança pública fosse feita na sessão desta quarta-feira.
Com o escancaramento da crise no STF, ainda não está claro se Cármen tentará reagendar a reunião para a discussão sobre as prisões em segundo instância.