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"Esse garoto, esse atirador, estava gritando por atenção e ninguém viu isso, a família não viu, a escola não viu"

Leonardo e Bárbara são pais de João Pedro Calembo, morto aos 13 anos por um colega de escola que se dizia alvo de bullying.

Passados quase dois meses desde que um adolescente matou dois colegas e feriu outros quatro num colégio de Goiânia, a família de uma das vítimas tenta reorganizar a própria vida.

Em entrevista ao BuzzFeed News, os pais do estudante João Pedro Calembo, Leonardo Calembo e Bárbara Melo, se negam a tratar a tragédia como resultado de um caso de bullying — o atirador seria alvo de provocações dos colegas — e apontam até mesmo o nazismo como uma das causas do triste episódio.

Para eles, sinais não foram compreendidos nem pela escola, o Colégio Goyases, nem pelos pais do adolescente que cometeu os crimes.

"Nós somos vítimas de alguém que estava visualizando páginas sobre nazismo e tinha afeição pelo nazismo. Então não é apenas uma história de bullying, tem muita história por trás", disse Bárbara. "Essa tragédia, a gente analisa hoje, poderia ter sido evitada”, afirmou Leonardo.

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Sem o filho mais velho, que morreu com 13 anos, o casal cuida agora de seus dois garotos mais novos e usa a tragédia pessoal como forma de conscientizar outros pais — e professores — a prestarem mais atenção em suas crianças.

Veja abaixo os principais trechos da conversa com Leonardo e Bárbara.

Como receberam a notícia do atentado no Colégio Goyases?

Leonardo: Foi no dia 20 de outubro. Nós estávamos trabalhando no escritório e a Bárbara recebeu ligação de uma amiga, falando para correr no colégio pois o João Pedro havia sido baleado. E aí a gente ficou sem entender o que tinha acontecido, mas fomos ao colégio. Já estava perto do horário de saída dos alunos. Chegando ao colégio nós nos deparamos com uma cena de filme. Muitas ambulâncias. Muitos carros de policia, helicóptero, foi uma cena que não sai da minha cabeça.

Demorou para que os senhores entendessem que esse ‘filme' era real?

Leonardo: Até hoje não entendi. Até hoje acho que estou vivendo um sonho. E a gente às vezes não acredita, acha que ele, nosso filho, vai entrar pela porta. É difícil.

Bárbara: E pelo fato de ter sido um ambiente onde a gente acha que as crianças vão estar seguras. Já havia seis anos que nossos três filhos estudavam na mesma escola. Nós também temos um filho de 9 anos e outro de 6. E nós deixamos ele lá bem, com vida, com saúde, com uma perspectiva de futuro. E o Léo buscou ele no IML. Aquilo para nós foi muito marcante. É difícil entender, é muito difícil entender o que estamos vivendo.

Como estão trabalhando para reestabelecer uma rotina para a família?

Bárbara: Na verdade é difícil estabelecer rotina depois de isso acontecer. Nós ainda estamos na fase deste estabelecimento, a gente ainda não conseguiu efetivamente ter os dias normais.

Leonardo: Temos noites que não dormimos, temos noites que dormimos. Noites que a gente acorda no meio da madrugada. Então essa rotina… Para as crianças também não está sendo fácil.

Como estão os outros dois filhos?

Bárbara: Principalmente no horário de refeição… Está sendo difícil, pois fazíamos as refeições sempre juntos. Isso incomoda muitos eles, pois era o horário que a gente conversava e falava do dia a dia. E não temos mais a presença de nosso filho que era, para os irmãos, um exemplo. Pois é o filho mais velho, que sabia fazer tudo, que sabia conversar sobre tudo, que ensinava os mais novos, então isso afetou muito a vida deles.

Leonardo: Era o que ensinava a jogar videogames, ensinou a andar de patins.

Bárbara: Era referência para eles. Era quem determinava as brincadeiras. Então eles ficaram meio confusos. Estão sem lugar.

Quando tudo aconteceu se falou muito sobre bullying. O que significa o bullying para vocês hoje?

Bárbara: Para nós representa algo que repugnamos. Foi muito difícil ouvir das pessoas o que nós ouvimos. Porque elas não se atentaram ao fato de que quem havia dito aquilo era quem assassinou duas crianças e deixou quatro feridas fisicamente. E deixou várias abaladas psicologicamente.

Então elas tiveram aquilo como verdadeiro. Mas nós conhecemos muito bem a rotina do nosso filho na escola. Dos três. E nós acompanhávamos muito de perto. Então, de nossa parte havia muita segurança sobre o fato de aquilo não ter acontecido. Pois íamos muito à escola, conversávamos muito, a gente não perdia nada, a gente estava sempre muito perto e muito próximos.

Leonardo: Somos pais presentes na escola, na vida escolar dos filhos, então a gente sabia que aquilo não tinha acontecido. Pela educação dada ao João Pedro e aos outros irmãos também. O delegado declarou inicialmente, segundo o autor, que [a justificativa do atirador] foi bullying, e a gente sabia que não era bullying.

Mas, mesmo havendo bullying, isso justifica ato de tamanha violência?

Bárbara: É no mínimo desigual: eu te chamo de algo que você não gosta e você me mata? Não está agindo com igualdade, eram vários fatores que estavam sendo colocados ali, fazendo juízos de valores que na verdade não existiam.

Eu fui professora durante 9 anos, eu conheço o ambiente escolar, eu conheço aquilo que se passa. O bullying não é justificativa para se matar alguém. Se você está sofrendo alguma discriminação, algum tipo de zoação no colégio, a primeira coisa que você deve é buscar a autoridade do colégio, conversar com os pais. Nada disso foi feito. Então é no mínimo contraditório, alguém que dizia que estava sofrendo e não ter falado para ninguém? Por que não disse? O adolescente tem pai e mãe para poder reportar o que tem passado. Por que ele não teve segurança para falar para o pai e para a mãe? Se tivesse acontecido [o bullying], era assim que deveria ter ocorrido, desenrolado a história. Então estava tudo errado.

Como foi a experiência dos senhores, quando estudantes, com o bullying?

Leonardo: Sempre existiu as brincadeiras dentro de sala de aula, o apelido, eu sempre fui gordinho, tinha apelido, tinha um alto que era o girafa, era algo normal no ambiente escolar, nada que justificasse alguém matar outra pessoa.

Os pais hoje precisam conhecer os filhos, precisam estar presentes na vida dos filhos. Precisam saber quem são os amigos, o que o filho está estudando, o que o filho está lendo. E vendo, principalmente na internet, o que seu filho tem acessado.

Essa tragédia, a gente analisa hoje, poderia ter sido evitada.

Bárbara: As pessoas tem lidado muito como se fosse tudo normal, tudo natural aquilo que os adolescentes têm assistido e acessado na internet, e hoje nós vemos o quanto isso tem influenciado no dia a dia desses adolescentes. Nós somos vítimas de alguém que estava visualizando páginas sobre nazismo e tinha afeição pelo nazismo, então não é apenas uma história de bullying, tem muita história por trás. E nós ficamos muito assustados quando nós soubemos disso, pois era algo que a gente não imagina que hoje, em pleno ano de 2017, existia ainda alguém que achava normal sair matando todo mundo por uma causa que acha verdadeira, que acha boa, agradável.

Acreditam que existiu algum tipo de negligência por parte dos pais do atirador?

Bárbara: Nós não temos nenhuma dúvida, não. Depois que as investigações foram sendo feitas, na verdade, nós vimos que ele havia tentado suicídio duas vezes no ano passado. No ano de 2016. Se um adolescente tenta suicídio duas vezes, então ele está apresentando um problema em casa. E esse problema não foi trabalhado, e pai e mãe deixam arma de fácil acesso para o adolescente, então é no mínimo contraditório.

Se seu filho está com um problema, tentando tirar a vida dele, você deixa uma arma [perto dele]? Isso para a gente é negligência. E não só por aí, nós, os pais, somos responsáveis pelos atos dos nossos filhos, somos a autoridade na vida deles. Nós somos a moral que eles ainda não têm, a responsabilidade que eles não têm.

Então somos responsáveis 100% pelos atos deles. Assim como nós nos sentimos responsáveis pelos nossos filhos, eles também precisam sentir. Não dá para levar vida normal e sabendo que o filho está passando por uma dificuldade dessa em casa.

Leonardo: Não seria normal colocar um filho numa escola e deixar para lá, não cuidar do filho.

Os senhores acreditam que, além da família, também houve descuido por parte da escola?

Bárbara: Quando [uma criança] adentrou o portão do colégio, a responsabilidade por aquelas vidas lá são do colégio, então o colégio precisa saber quem são os alunos, precisa conhecer o que está se passando.

Acreditam que Justiça foi feita com a detenção do atirador, que ficará 3 anos internado?

Leonardo: Nós perdoamos o atirador no ponto de vista espiritual, nós liberamos perdão para ele, nós não vamos carregar este fardo para sempre, durante toda a minha vida, com esse peso, de ter essa mágoa no coração, eu não quero ter essa mágoa no coração. Então foi uma atitude que eu tomei, que minha família apoiou e também tomou, de perdoar. Mas existem consequências. Para tudo na vida o que você faz existe uma consequência. A consequência dele foi a lei dos homens, que é a pena. Eu acho que é uma pena branda por um crime Se tamanha proporção, de tirar a vida de duas crianças e ferir mais quatro crianças. são dois assassinatos e quatro tentativas de homicídio.

Bárbara: Porque preso na verdade ficamos nós, porque não temos mais a liberdade de conviver com nossos filhos. Nem a gente, nem a família do João Vitor e também a família da Isadora [outra aluna atingida pela atirador], que ficou paraplégica. Isso para nós, sim, é uma verdadeira prisão, pois é algo que transcende o limite de tempo. Não sabemos até quando a Isadora ficará dessa forma. Mas existe a Justiça dos homens e tem sido a Justiça que nós temos procurado. Ficando provado negligência, nós vamos atrás dos responsáveis, sim.

Desde a tragédia vocês tentam passar uma mensagem a outros pais. Que mensagem é essa?

Leonardo: Eu acredito que há um propósito nisso tudo, e a gente… Eu sempre falo para a Bárbara: nós não vamos parar, nós não vamos nos calar. Eu quero passar para outros pais que eles podem ter uma vida diferente com os filhos, que eles podem ser diferentes com os filhos, eles podem ter uma relação de amizade, de amor, de carinho, de respeito, porque a gente achava que o filho obediente era o filho com grau altíssimo, era o filho mais top de linha, mas não, a gente descobre que o filho responsável é o top de linha. É aquele que sabe tomar decisão diante de situações onde eu não estou presente, onde meu olho não vai. O filho responsável hoje é o que os pais devem buscar.

Os pais têm de se voltar hoje para a família, têm de se voltar para os filhos e sempre estar de olho nos filhos, sempre olhar os filhos com aquele olhar diferenciado, porque esse garoto, esse atirador, estava gritando por atenção, ele estava passando por problemas e ninguém viu isso, a família não viu isso, a escola não viu isso.

Bárbara: A bandeira que a gente levanta hoje é que nosso filho não morreu em vão. Isso que tem acontecido é para mostrar o quanto é necessário que os pais se voltem para os filhos. Até porque ter filho é opcional, mas, quando se tem, você colocou no mundo, você precisa criar, precisa educar. Pois não é só seu mundinho dentro de casa que vai sofrer, é toda uma sociedade.

OUTRO LADO

Procurada pelo BuzzFeed News, a advogada Rosângela Magalhães de Almeida, que defende o adolescente autor dos disparos, disse desconhecer tentativas de suicídio por parte do garoto.

Em relação ao nazismo, ela disse que o adolescente é um estudioso da Primeira e da Segunda Guerra Mundial e que se informa sobre vários regimes antigos, entre eles o de Adolf Hitler.

Disse ainda que o garoto já chegou a desenhar suásticas numa prova e na cadeira que usava no colégio, mas que, na opinião dela, o adolescente fez isso mais como forma de impressionar colegas do que por compartilhar de ideias racistas.

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