As crescentes críticas ao modo como o presidente Jair Bolsonaro tem lidado com a crise do coronavírus e a confirmação que o general Augusto Heleno contraiu a doença provocaram um ponto de inflexão no discurso e nos gestos políticos do Palácio do Planalto.
Heleno, que é o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, é o mais influente conselheiro do presidente e o 16º integrante da comitiva que foi aos Estados Unidos a receber o resultado positivo para a doença. O 17º, anunciado nesta quarta, é o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque.
A preocupação que o Planalto se tornou um foco de contágio ficou explícita na entrevista coletiva da tarde de hoje: Jair Bolsonaro, oito ministros e o presidente da Anvisa apareceram usando máscaras.
Logo no início, Bolsonaro explicou que o uso das máscaras se dava devido ao contato mantido com Augusto Heleno. Somente ontem os dois tiveram três reuniões fechadas.
Os oito ministros presentes à entrevista da tarde passaram a integrar o grupo de risco de contágio, segundo o titular da Saúde, Henrique Mandetta, principalmente porque estiveram com Augusto Heleno nos últimos dias. Quem apresentar sintoma de gripe será submetido ao exame.
A agenda do ministro registra genericamente “despachos internos” nos dias 11, 12, 13 e 17 no Planalto, sem detalhar quem foram as pessoas que estiveram com ele. Heleno ocupa um gabinete do quarto andar do Planalto – um acima do local onde despacha o presidente.
Alegando razões de segurança, o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República não informa o número de servidores que atuam na área e que estiveram com Heleno nos últimos dias.
Procurado pelo BuzzFeed News, o GSI disse que, com o afastamento de Heleno, os demais servidores seguem trabalhando no próprio órgão e que funcionários só serão mandados para casa caso apresente sintomas – o que contraria as orientações do próprio Ministério da Saúde para casos similares.
O GSI também não informa quantos servidores da pasta tiveram confirmação de coronavírus. Somente que quatro funcionários da pasta que integraram a equipe de apoio à viagem aos EUA contraíram a doença.
Nesta quarta-feira foi a primeira vez desde a eclosão da crise do coronavírus que servidores do Planalto, seguranças e funcionários do cerimonial passaram a usar as máscaras. Antes do positivo de Heleno, quase ninguém no Planalto tomava essa precaução.
Mudança de discurso
Houve uma perceptível mudança de discurso de Bolsonaro nesta quarta. Em vez da postura de desdém com relação à pandemia que vinha adotando, o presidente agora falou num tom mais grave e evitou confrontação.
“Teremos dias duros, mas serão menos difíceis se cada um se preocupar com seus parentes”, disse, acrescentando depois: “O momento é de grande preocupação, é de gravidade”.
Ele negou que tenha subestimado a crise do coronavírus, mas voltou a mencionar "histeria": “É uma questão grave, mas não podemos entrar no campo da histeria. Esse foi o meu papel como chefe de Estado, sem deixar de se preocupar, obviamente. Tudo o que fiz foi para levar tranquilidade para o povo brasileiros. É grave, é preocupante, mas não chega ao campo da histeria ou da comoção nacional.”
No domingo, em entrevista à CNN Brasil, Bolsonaro afirmara: "Outros vírus muito mais perigosos e letais que este aconteceram no passado e não tivemos essa crise toda. É claro que tem um interesse econômico por trás disso [da pandemia]".
Naquele dia, o presidente deixou o isolamento para se misturar a um grupo de apoiadores que foi à frente do Planalto para protestar contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. A atitude do presidente foi criticada até por partidários.