Quem espera entre três a quatro anos na fila de cadastros habitacionais sonha a cada dia em receber uma notícia: ter sido contemplado com um imóvel do Minha Casa Minha Vida.
Uma vez selecionado, para que o sonho da casa própria se torne realidade, é preciso apresentar uma série de documentos para a Caixa Econômica Federal, assinar um contrato de financiamento e, dias depois, com tudo aprovado, ir até o escritório da construtora pegar a chave do imóvel.
Muita gente, no entanto, está tendo uma surpresa: ao chegar no imóvel percebe que fechadura foi trocada porque, antes mesmo da assinatura do contrato com a Caixa, o apartamento já estava invadido por outras pessoas e, mesmo assim, o banco entregou as chaves.
Essa é a realidade que diversas famílias estão vivenciando no Distrito Federal quando vão ingressar em unidades habitacionais do Minha Casa Minha Vida no complexo chamado de Paranoá Parque (numa cidade-satélite de Brasília).
Dada a dimensão do local – são 390 edifícios comportando 6.240 apartamentos de 46 metros quadrados cada – não há dados oficiais sobre quantos imóveis estão invadidos.
Defensores públicos que atuam na área falam em cerca de 220 unidades ocupadas irregularmente. Na Justiça do Distrito Federal há pelo menos 50 processos de beneficiários do Minha Casa Minha Vida pedindo a expulsão dos invasores para que possam entrar pela primeira vez em suas habitações.
A reportagem do BuzzFeed Brasil conversou com alguns deles e descobriu que, além de estarem impedidas de ingressar em seus imóveis devido às invasões, ainda são orientados a pagar a prestação de suas casas sob pena de perderem o direito ao imóvel em que nunca puseram os pés.
Esse é o caso, por exemplo, de Maria das Dores Aparecida. Ela assinou seu contrato com a Caixa no dia 15 de dezembro.
Algum tempo depois a obteve a chave do imóvel e, ao chegar em seu apartamento, descobriu que o mesmo estava há meses invadido.
Ela, assim como José Cícero Alexandre da Silva, vive como catadora e está morando em barracos numa região pobre de Brasília enquanto aguarda a desocupação de seu apartamento.
Durante a espera, os dois pagaram uma prestação de R$ 80 para não perderem o direito ao imóvel.
“A prestação venceu dia 15, mas eu não tinha dinheiro, consegui hoje (17) e paguei R$ 80. A CODHAB (Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal – que em parceria com a Caixa toca o projeto) diz que se a gente não pagar a gente perde o direito”.
Em desabafo, José Cícero disse se sentir vítima de um delito e vociferou para cima da Caixa, da Codhab e dos invasores. “Isso é crime, alguém tem que ser preso”.
Procurada, a Caixa disse que “recebeu denúncias de ocupação irregular de algumas unidades do empreendimento Paranoá Parque” e que “caso fique comprovada a ocupação irregular do imóvel por terceiros, a Caixa protocola notícia-crime na Polícia Federal e adota medidas judiciais cabíveis, no sentido de buscar a reintegração de posse do imóvel”.
Questionada se já havia protocolado alguma notícia-crime, a Caixa respondeu que não.
O diretor imobiliário da Codhab, Jorge Gutierrez, disse que uma gerência foi criada na companhia somente para lidar com problemas de invasões e desvios de finalidades das unidades habitacionais.
Segundo ele, a Codhab já conseguiu retomar 31 apartamentos e acompanha outros 27 casos para tentar reaver imóveis na Justiça.
Além das invasões, ele destacou que há ainda problemas com usuários de drogas que acabam entregando suas unidades para quitar dívidas, e que a Codhab também está lidando com esse problema “que acontece em escala muito menor”.
Paranoá Parque
Para além das invasões, moradores do Paranoá Parque que conversaram com o BuzzFeed reclamaram da violência e do tráfico de drogas no local.
Dizem que, apesar de se ter criado um complexo que abriga cerca de 20 mil pessoas, as demais estruturas do Estado, como escolas públicas, delegacias de polícia e saneamento adequado, não acompanharam as obras.
O defensor público André Moura, que vem trabalhando nos casos de invasão (veja vídeo acima), disse que a defensoria não está dando conta do volume de pedidos da comunidade, que vão desde vagas em escolas a processos devido à má qualidade da água no local.