Além de criminalizar situações em que hoje o aborto é permitido, uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que tramita na Câmara dos Deputados também pode causar a proibição de estudos com células-tronco embrionárias.
Aprovada ontem por uma comissão de deputados, o texto — que ainda precisa ir ao plenário da Câmara — faz três alterações na Constituição.
Uma delas era esperada e amplia para o máximo de 240 dias a licença maternidade em casos de nascimento de prematuros.
Outros dois foram uma surpresa, ou, como se diz no Congresso, foram "jabutis".
O termo é usado para descrever normas que pegam carona em outras.
Ao provar a ampliação da licença maternidade, o jabuti foi acrescentar a expressão “desde a concepção” em dois trechos da Constituição que tratam do direito à vida.
Recentemente, a Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) não considerou haver crime em abortos ocorridos durante o primeiro trimestre de gestação.
Há alguns anos o tribunal ainda afirmou que não há crime em aborto de fetos anencéfalos e liberou o estudo com células-tronco embrionárias.
Para o ex-presidente do STF Carlos Ayres Britto, ao acrescentar "desde a concepção" nos trechos da Constituição que tratam do direito à vida, a PEC é “incompatível com o que o Supremo já decidiu” sobre aborto e células-tronco.
Uma eventual promulgação do texto ainda poderia criminalizar outras situações em que hoje o aborto é permitido segundo o Código Penal, como nos casos de gravidez em decorrência de estupro e quando a interrupção é praticada por risco à vida da mãe.
Segundo a ex-conselheira do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) Gisela Gondin, caso o texto seja promulgado ficará aberta a possibilidade de juízes punirem quem pratica o aborto em qualquer uma das circunstâncias hoje autorizadas.
Ela ainda disse que a inserção do termo “desde a concepção” em alguns trechos da Constituição aparenta ter como objetivo específico criminalizar a interrupção da gravidez em todas as suas modalidades.
Opinião semelhante tem o ex-conselheiro da OAB Pedro Paulo Guerra de Medeiros.
“Se a PEC for promulgada, todas as hipóteses de aborto fica prejudicadas — bem como a decisão do STF que autorizou o uso de células-tronco para pesquisas”.
Os advogados, no entanto, apontaram alguns detalhes que, na opinião deles, podem fazer com que, mesmo aprovada, a PEC venha a ser derrubada pelo STF.
Gondin explicou que um dos artigos alterados é uma das chamadas cláusulas pétreas da Constituição, por isso não poderia ser modificado por uma emenda.
Guerra de Medeiros destacou que a introdução do termo “desde a concepção” não constava da PEC original e foi introduzido pelo relator. Por isso, poderia haver uma falha no processo legislativo, o que levaria à inconstitucionalidade da nova norma.
Luís Henrique Machado, outro advogado ouvido pelo BuzzFeed News, também disse acreditar que, caso promulgada, a PEC não prospere.
“O STF, por toda a sua jurisprudência, nunca impediria uma mulher estuprada de abortar. Isso beira o impossível”, afirmou.