As críticas às afirmações de ontem do presidente Jair Bolsonaro — que, para provocar o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, disse que poderia revelar como o pai dele foi assassinado durante a ditadura — não ficaram restritas aos alinhados à esquerda.
Em alguns casos, as críticas foram feitas até por aliados declarados de Bolsonaro, como o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que na eleição do ano passado estimulou o voto "BolsoDoria".
"É inaceitável que um presidente da República se manifeste da forma que se manifestou em relação ao pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. Foi uma declaração infeliz", disse Doria. "Não posso silenciar diante desse fato. Eu sou filho de um deputado federal cassado pelo golpe de 1964 e vivi o exílio com meu pai, que perdeu quase tudo na vida em 10 anos de exílio pela ditadura militar."
Um apoiador da pauta econômica do governo Bolsonaro, o deputado federal Marcelo Ramos (PL-AM) — presidente da comissão especial da reforma da Previdência — chamou a fala de "repugnante".
"É repugnante um Presidente da República tripudiar sobre a memória de uma vítima da ditadura. Tenho compromisso com o Brasil e com a pauta econômica, mas repudio o descompromisso do presidente com os valores humanitários e democráticos. Minha solidariedade ao presidente da OAB", tuitou Ramos.
Ele voltou ao assunto depois de ter recebido respostas que questionavam sua passagem pelo PC do B e pelo PSB: "Impressionante ou talvez autoexplicativo como os minions confundem defesa da democracia e de valores humanitários com pauta da esquerda. Valores civilizatórios não pertencem a esquerda ou direita. Alguns jamais entenderão isso, por ingenuidade, burrice ou má-fé".
Kim Kataguiri (DEM-SP), deputado federal e líder do MBL (Movimento Brasil Livre), disse que a fala de Bolsonaro é "imprópria" e "descabida".
Ele respondeu a um tuíte da petista Gleisi Hoffmann, que havia escrito que o fato de Bolsonaro ter dito que sabia o que tinha acontecido com o pai de Santa Cruz tornava o presidente réu confesso.
"Discordo DIAMETRALMENTE da postura do presidente neste caso, mas 1 deputada n pode afirmar um absurdo desses", escreveu Kim. "A fala do PR é imprópria e descabida, mas não criminosa."
O jurista Miguel Reale Jr., um dos signatários do pedido de impeachment que levou à saída de Dilma Rousseff (PT) da Presidência (mas que nunca apoiou Bolsonaro), disse que o caso de Bolsonaro não é de impeachment — "é de interdição".
"O presidente da República se sentiu no direito de ofender a todos nós, não só os advogados, mas todos que prezam os direitos humanos", disse Reale em entrevista ontem à Rádio Guaíba. "Nós estamos diante de um quadro de insanidade, a mais absoluta. Não é mais caso de impeachment, é caso de interdição."