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A nova estrela boca-suja da extrema-direita americana é uma menina de 14 anos

O problema do YouTube com as crianças é bem conhecido. Mas a popularidade de Soph levanta outra questão: se o YouTube tem a obrigação de proteger esses usuários de si mesmos — e uns dos outros.

O que uma garota de 14 anos de idade vestida com um xador tem a dizer no YouTube para conquistar mais de 800 mil inscritos em seu canal?

Que tal isto? "Eu me tornei uma seguidora devota do profeta Maomé. Só tenho a dizer que estou me divertindo muito. Claro, eu sou estuprada pelo meu marido de 40 anos de vez em quando e tenho que adorar um cubo negro para agradar indiretamente um antigo deus cananeu — mas pelo menos eu vou para San Francisco apedrejar gays e a polícia não pode fazer nada porque a Califórnia é um criptocalifado."

Ou simplesmente isso? "Se mate, bicha."

Sim, imagine uma garota branca zombando de um traje associado ao islamismo enquanto fala para centenas de milhares de seguidores sobre “gangues de estupro” muçulmanas, sobre justiceiros sociais “homossexuais” e sobre os males causados por George Soros — tudo isso sob o pretexto de estar fazendo humor provocativo na internet.

Na verdade, não imagine. Basta assistir.

O vídeo é chamado de "Be Not Afraid" (Não Tenha Medo, em tradução literal) e foi removido pelo YouTube após ser denunciado por incitação ao ódio

Os usuários do YouTube — e os anunciantes — começaram a responsabilizar a plataforma no ano passado por permitir a exploração de crianças e expô-las a conteúdo perturbador. Mas esse vídeo revela uma maneira completamente diferente pela qual o YouTube está prejudicando as crianças: permitindo que elas expressem visões extremas na frente do mundo todo.

“Be Not Afraid” é estrelado por uma estudante do 1º ano do ensino médio da Bay Area de San Francisco que atende pelo nome de Soph no YouTube. Com seus vídeos, ela se tornou uma influencer em ascensão no universo de teóricos da conspiração, racistas e demagogos que devem seu big bang ao YouTube.

A plataforma de vídeo há anos incentiva esse conteúdo por meio de algoritmos que favorecem vídeos sensacionalistas e, como relatórios recentes revelaram, tem deliberadamente ignorado conteúdo tóxico como uma estratégia de crescimento.

Os roteiros de Soph, os quais ela diz que escreve com um colaborador, são familiares: uma mistura de ódio contra os muçulmanos, racismo antinegros e misantropia que poderia ter sido copiada de mil publicações diferentes do 4chan.

Até agora, estamos acostumados com essas coisas vindas de adultos — alguns dos quais até usaram a plataforma como um ponto de partida para aspirações políticas. Mas Soph é uma criança. Apesar da mordacidade de suas palavras e de sua confiança em dizê-las, ela ainda é apenas uma criança de 14 anos.

Pense em Jonathan Krohn, uma espécie de criança prodígio conservadora que discursava em encontros políticos de direita em 2009, aos 13 anos. Hoje ele é um jornalista freelancer que escreve sobre extremismo para publicações esquerdistas, e tem repudiado seus pontos de vista anteriores. Ou pense em Lynx e Lamb Gaede, que se tornaram sensações da mídia como cantoras pop gêmeas nacionalistas de 11 anos de idade no meio dos anos 2000. Hoje, elas renunciaram ao racismo e assumiram o ativismo pela legalização da maconha. Parte de ser uma pessoa jovem, talvez especialmente para uma pessoa ricamente talentosa, é testar ideias e identidades — mesmo que, mais tarde, possamos ser contrários a elas. Isso não é desculpa para nada que Soph diz, e sim uma lembrança de que as crianças muitas vezes não entendem o peso das palavras que usam (nem Soph nem seu pai responderam aos pedidos de comentário do BuzzFeed News).

O problema do YouTube com as crianças é bem conhecido. De desenhos animados com conteúdo perturbador a pais que fingem violência com seus filhos por cliques, a empresa tem falhado em proteger os jovens usuários. Mas a popularidade de Soph levanta outra questão, talvez mais difícil: se o YouTube tem a obrigação de proteger esses usuários de si mesmos — e uns dos outros.

Claro, isso é parcialmente o trabalho dos pais, um fato que Soph apontou em um vídeo recente em que se dirigia a pessoas alarmadas por seu conteúdo.

"Eu me pergunto por que elas estão preocupadas com o que eu digo em vez de se preocuparem com os pais que deixam seus filhos me assistiram", disse ela.

Mas os poderes dos pais sobre as crianças que vivem online são limitados. E o YouTube não tem se responsabilizado pelo que está acontecendo com as crianças que crescem nesse ambiente de fanatismo e conspiração. E parece que as crianças, ou pelo menos as mais espertas, já sabem disso.

Depois de ser contatado sobre o caso, o YouTube reviu o canal de Soph e removeu alguns vídeos. A empresa também bloqueou Soph, o que a impede de carregar vídeos por uma semana. De acordo com o YouTube e seus termos de serviço, a plataforma é para crianças de 13 anos ou mais, e ele exclui as contas pertencentes a crianças com idade inferior à medida que toma conhecimento sobre elas. Soph criou sua conta aos 9 anos, e ganhou significantemente com a publicidade de seus vídeos antes de completar 13 anos.

"Você poderia me implorar chutando e gritando para eu parar de divulgar as ideias em que eu acredito, e isso não faria diferença", diz Soph no final de "Be Not Afraid", em uma passagem em que ela parece deixar de lado a comicidade, mesmo que apenas por um momento. "Não somente eu sou imune a essa besteira, como a maioria da geração Z também é imune. A geração Y cresceu com a MTV, e hoje assiste ao Colbert. Nós, por outro lado, crescemos com a internet, por isso não temos uma fonte centralizada de informações que controle o que pensamos. Nós filtramos a verdade por nós mesmos; não somos preguiçosos. Ninguém está fazendo lavagem cerebral nas crianças. As crianças estão simplesmente aprendendo com o acesso livre a informações, e não há nada que você possa fazer quanto a isso."

O alvo final de “Be Not Afraid” é, por fim, os adultos: pessoas que simplesmente não entendem por que o discurso da justiça social é insignificante, por que a escola não pode se comparar ao YouTube, por que o assassinato em massa pode ser engraçado. Soph está certa de que os adultos são egoístas e estúpidos. Quando você olha para os adultos que ficaram ricos com a plataforma que criou Soph, ela não está completamente errada. Ela tem publicado no YouTube há anos sem nenhuma outra consequência além de ter se tornado famosa.


Este post foi traduzido do inglês.

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