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Teste para comissários de bordo com salário de R$ 9 mil reúne 400 pessoas, de doutora a mecânico

Aprovados têm de mudar para Doha, no Oriente Médio. Como não há exigência de curso de formação, entre os competidores havia até uma ex-figurante global.

Falta um minuto para as 9h de um sábado do mês passado e, no andar de convenções de um hotel na zona sul de São Paulo, quatro mulheres de blazer azul-marinho, saia-lápis da mesma cor e sorrisos fixos no rosto entram num conflito muito suave: “O anúncio dizia que o evento começava às 9h”, diz a loira de coque rosquinha. “Mas a sala já lotou, não tem como entrar mais gente”, responde uma funcionária, também de coque rosquinha.

Assim começava o dia que reuniu mais de 400 pessoas que se candidataram para o posto de comissário de bordo da Qatar Airways, uma das companhias aéreas mais premiadas do mundo. A vaga, que dá um salário mensal de cerca de R$ 9 mil, exige que os aprovados e as aprovadas se mudem para Doha, a capital do Qatar, no Oriente Médio. Entre os competidores, havia doutores em microbiologia, mecânicos e até uma ex-figurante global.

Após momentos de tensão, uma mulher baixa e corpulenta, de coque rosquinha no cabelo, aparece e diz: “You can go inside the room”, ou “Vocês podem entrar na sala”. Da soleira da porta por diante, a língua oficial é inglês.

As três candidatas que quase foram barradas entram na sala. “Funeral tamanho família”, brinca uma segunda candidata, com um coque rosquinha idêntico, mas castanho, quando vê a multidão de pessoas que ocupa o salão, quase todas vestindo ternos ou terninhos azul-marinho ou preto.

Quem chegou primeiro se senta em fileiras de cadeiras dispostas no salão. À maioria, resta ficar em pé. Se fossem passageiros de um voo, talvez os candidatos não estivessem felizes. Só há água, em jarras de vidro numa mesa no canto. Sem café. O celular de duas operadoras de telefonia não pega dentro da sala.

Fotos ali são proibidas, a não ser as 3 x 4 e os retratos de corpo inteiro que cada um dos candidatos traz junto ao currículo, em inglês. Não há idade limite — apenas a mínima, de 21 anos.

Candidatos estão conversando sobre o sucesso. Os que já trabalham na área creditam a procura ao fato de que, ao contrário das linhas aéreas nacionais, a Qatar não exige curso de formação dos seus comissários. A formação é dada em um curso de dois meses no país do Oriente Médio. Isso leva gente de outros ofícios a querer ser comissário.

DOUTORA COMISSÁRIA

Uma doutora em biologia, que pede para não ter seu nome publicado, explica a guinada de campo: “Eu fiz o doutorado ganhando R$ 2.400 por mês. Foi difícil, mas nem isso eu consigo mais. De que vale meu diploma?”.

Havia outros profissionais com mestrados, a maioria deles em áreas das humanidades, como letras ou história. Havia também quem não tivesse ensino superior. E quem não fosse cidadão brasileiro, ainda — três haitianos em processo de naturalização foram embora ao saber que não poderiam ser contratados, então escolheram nem participar do processo.

Operador de tornos e outras máquinas, Raphael Guther sonhava em estar do lado de fora de um avião. Fez o ensino médio e um curso de mecânica de avião em Sorocaba, que não conseguiu terminar.

“Gosto muito de voar, sempre sonhei em viajar e conhecer o mundo. Fora a remuneração, que é boa, ainda mais em tempos de crise”, diz ele, que ainda foi atraído pelo emprego por poder levar sua mulher e filhos, que moram em São Bernardo do Campo, para o Oriente Médio, caso passasse.

COMO O AMERICAN IDOL

Raphael logo saiu para fazer o teste. A cada meia hora, dois funcionários da companhia entram no salão e chamam os postulantes pelas senhas que receberam. Grupos de 15 pessoas são levados em fila para um corredor em frente à sala Degas, bem menor do que o salão principal.

Os candidatos entram um por vez, e ficam de frente para uma bancada. Nela, estão sentados dois recrutadores, que olham para o candidato e fazem perguntas simples, como “O que você faz da vida” ou “Por que quer ser comissária?”.

O diálogo se dá em inglês e lembra um show de talentos estilo American Idol. Mas, em vez de cantar, os concorrentes só têm de esticar os dois braços para cima e simular que estão colocando uma mala no bagageiro que fica acima dos assentos da aeronave. A empresa exige que seus funcionários consigam alcançar as malas que estão sobre as cabeças dos passageiros.

O mecânico não passou. Dias depois, ele explica que recebeu um e-mail às 19h30 do mesmo dia, em que era notificado de que não foi selecionado.

A Qatar Airways afirma que não comenta salário dos funcionários, e que o número de candidatos está de acordo com a expectativa, adquirida nos cerca de cinco processos seletivos que faz no Brasil por ano.

Tatiane Diniz foi uma das primeiras a sair da seleção. Já sentada em uma poltrona no lobby, esperando uma carona, ela diz que foi para a seleção porque está em busca de um trabalho mais estável. “Hoje eu levo grupos de brasileiros para a Disney. É bem bom, mas não é um trabalho fixo.”

Ela afirma que tirou os piercings que tinha na orelha e no nariz para o processo seletivo: “Eles não gostam. Tatuagem aparente também é proibido”.

Do lado de fora, uma ruiva de coque rosquinha está fumando um cigarro apoiada na pilastra da entrada. Em uma mão tem o isqueiro, e na outra um envelope. “Eles me selecionaram! Não conta para ninguém, porque eles dizem que só vão revelar hoje à noite, mas quem passa já recebe uma carta convidando para voltar”, diz ela, que fez figuração na novela “Malhação” antes de se mudar para São Paulo e virar vendedora de shopping.

No final daquele dia, 30 pessoas haviam sido recomendadas para a central, no Oriente Médio. “Para mim, é de lá para o mundo”, diz a ruiva, que entrou no grupo de menos de 10% selecionados. “Daqui, o céu é o limite.”

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