São 10h, e a aposentada Joana Sousa está entrando no Clube Pinheiros para sua aula de hidroginástica na segunda. “Mas o que está acontecendo?”, ela pergunta ao ver uma fila de jovens bebendo na calçada da avenida Brigadeiro Faria Lima, uma das mais ricas de São Paulo.
É a fila para uma festa, o segurança explica o segurança do clube, cujo título chega a custar R$ 100 mil. Uma festa que dura 12 horas: começa às 10h, antes do jogo da seleção, e vai até as 22h, com DJs e um show do MC Kevinho. Em um dia de semana.
Há na frente do clube um aglomerado de menos de dez pessoas. A entrada individual custa de R$ 60 a R$ 90. Uma delas é estudante de administração que despeja o conteúdo de uma garrafa de Smirnoff em copos de papel brancos com a logomarca da Absolut impressa, e passa para os amigos.
Às 11h, o grupo se junta a uma centena de pessoas, dentro do salão de festas do clube, que está repleto de mesas de madeira e de cadeiras dobráveis. Um telão fica na frente de todos. Há um cubo no teto com outros quatro telões, menores.
Os presentes assistem à vitória do Brasil sobre o México, por 2 a 0, como em qualquer restaurante da região. Vibram. Vaiam. E gritam quando o país passa para as quartas de final.
O camarote da Brahma que fica um metro e meio acima do chão, no canto esquerdo, imita um boteco (há um neon aceso com a palavra “boteco”, inclusive, para quem não notar as referências estéticas como as mesas altas). Durante o jogo, há dez pessoas trabalhando no espaço. E nenhum cliente. O preço de uma mesa do camarote é de R$ 3.000, para até 15 pessoas.
O jogo termina. Começa a tocar samba. Há uma debandada de pessoas no Pinheiros. Parece que a festa acabou. Ledo engano.
Balada uniformizada
Às 19h, o lugar está completamente mudado. A começar pela fila, que pega um quarteirão inteiro da avenida. As pessoas são na maioria brancas. Homens de topetinho. Sapatênis da Osklen. Tatuagens maori. Mulheres de cabelo longo e cachos definidos por baby liss, vestindo calça pantalona e salto alto.
Quem entra se depara com outro salão de festa. As mesas foram retiradas, e o telão deu lugar a um palco, onde DJs tocam remixes de músicas de Vanessa da Mata e dos Natiruts, em um volume que obriga quem quer conversar a gritar.
A cada meia hora, toca o hino da festa, com tema futebolístico. A turba canta junto: Ôôôôô / Em 94 Romariôôô / 2002 Fenomenôô / Primeiro tetracampeão / Único penta é o Brasilzão.
Olhando-se de cima, os frequentadores parecem uniformizados — não só pela camisa amarela da seleção, mas também porque, pela aparência, a maioria ainda está em idade para ter acabado de começar uma graduação.
Futebol não é o único jogo do espaço. No segundo andar, da balada ao lado do camarote de uma loja de roupas, há uma roleta. É uma ação promocional de uma marca de preservativos.
As possibilidades de prêmio para quem girar a roleta são: camisinhas de morango, camisinhas douradas, camisinhas que brilham no escuro, camisinhas com efeito retardante. Quem der muito azar pode cair na casa Faltou Tesão (tente outra vez), e os sortudos podem acabar na Orgasmos Múltiplos (um kit de produtos).
Festa em turnos
O ator Bruno Damásio, 25, dividiu seu dia em dois tempos, como uma partida. Assistiu ao jogo de manhã, foi para casa, tomou um banho, colocou a mesma camisa da seleção e tornou à festa. “Gostei bem. Mas achei a bebida um pouco cara.”
Os preços praticados lá dentro estão na faixa de baladas de bairro rico. Uma água custa R$ 8. A cerveja, R$ 20. Um chopp, R$ 15.
O sistema de pagamento parece o de uma casa noturna: cada festeiro tem um cartão de consumação pelo qual paga R$ 5, e pode carregá-lo com créditos com os vendedores que usam uma placa com um cifrão suspensa atrás da cabeça.
Uma fisioterapeuta vê o repórter, lá pelas 19h40, e diz: “Você também tá aqui desde de manhã? Eu já gastei uns quinhentos contos”, e ri.
Matheus Araponga, 20, que trabalha com mídias sociais, também está no segundo turno na rave da Copa. Chegou às 11h, viu o jogo, saiu lá pelas 14h30 e foi aproveitar — ele é de Salvador e está na cidade a turismo. “Fiz compras, comi na frutaria e fui na Paulista, comprei umas roupas.” Ele, que não bebe, não acompanha o ânimo interno. “Tem muita gente louca lá dentro.”
Dois homens são tirados da pista por seguranças. Um estava arranjando briga. O outro tomou muita cerveja de R$ 20 e não conseguiu segurar no estômago.
A festa Ginga terá mais edições em todos os dias em que o Brasil puder jogar, com artistas escalados como Buchecha e o Bonde do Tigrão. A final, em 15 de julho, terá show de Maiara & Maraísa.
Às 20h, Kevinho toma o palco com seus maiores sucessos. O salão vira um baile funk protegido por seguranças. O cantor de 19 anos pede à plateia: “Quem não tem hora pra voltar pra casa joga a mão pro ar!”. Centenas de braços e berros. Mas é liberdade poética. Às 22h, 12 horas depois de começar, a festa acaba.