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O Dr. Bumbum foi preso, mas há médicos agindo como ele nas redes sociais

Ao contrário do Dr. Bumbum, Valter Hugo opera em clínicas e hospitais credenciados e pode exercer a medicina. Mas, assim como o médico preso, ele vai além do permitido pelas entidades médicas — como marcar cirurgias por WhatsApp.

O médico Valter Hugo Chaves segura nas duas mãos três seringas cheias de uma pasta laranja. “Isso aqui eu chamo de ouro líquido”, diz ele, paramentado com roupa de cirurgia. E explica que aquilo é gordura humana, e revela de onde veio: fez uma lipoaspiração em uma paciente minutos antes e vai usar a gordura tirada da barriga para aumentar o bumbum dela. “A paciente era um pouquinho mais cheinha, mas deu para tirar toda a gordura e colocar bastante no bumbum. Coloquei em torno de um litro de cada lado [do quadril]”, diz o homem moreno de barba.

Esse vídeo foi postado nas mídias sociais de Dr. Valter Hugo, que é uma estrela da internet. Tem 228 mil seguidores no Instagram, mais de 200 mil no Facebook e recebe dezenas de perguntas sobre cirurgia plástica todo dia. Seu uso de redes sociais infringe várias regras do Conselho Federal de Medicina e da regional fluminense, onde ele está inscrito como cirurgião geral. “O médico não deve ficar mostrando o que vai e não vai fazer”, diz Nelson Nahon, presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro.

A discussão sobre o uso de redes sociais por médicos entrou na pauta do dia com a prisão de Denis César Barros Furtado, conhecido como Dr. Bumbum. O Dr. Bumbum foi preso em 19 de julho, em decorrência da morte de uma paciente que havia feito um procedimento para aumentar os glúteos no apartamento dele, na Barra da Tijuca, no Rio. Dr. Bumbum tinha 647 mil seguidores no Instagram. Publicava montagens com fotos de pacientes antes e depois de procedimentos, prática vetada pelo código de ética e pelos conselhos de medicina. A paciente que morreu o havia conhecido pela internet.

Ao contrário do Dr. Bumbum, o Dr. Valter Hugo opera em clínicas e hospitais credenciados, e está com as autorizações para exercer a medicina em dia. Mas, assim como o médico preso, ele vai além do permitido pelas entidades médicas nas redes sociais.

Consulta por zap

Em outro vídeo, o Dr. Valter Hugo explica para possíveis pacientes de fora do Rio de Janeiro como marca cirurgias por WhatsApp. “O paciente vai passar algumas fotos, alguns exames, para que eu faça uma pré-avaliação O paciente vai chegar em torno de dois ou três dias antes da data agendada, para uma consulta presencial comigo, para eu examinar e dar as orientações. Mas a cirurgia vai estar agendada já.” O médico ainda discute qual é a melhor marca de prótese mamária com suas pacientes em redes sociais, outra prática desaconselhada.

Tanto o conselho federal quanto os conselhos estaduais de medicina vetam a marcação de qualquer procedimento a distância, e afirmam que a prática é grave e passível de punição. “Isso é completamente errado: o conselho não aprova esse tipo de conduta. Como eu vou recomendar um procedimento sem apalpar, sem examinar?”, diz o presidente do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, Lavínio Nilton Camarim.

A propaganda nas redes sociais parece ter surtido efeito nesse caso. A próxima consulta disponível com o médico é para daqui a duas semanas. A secretária recomenda ao repórter, que liga pedindo informações, que chegue às 14h em ponto. “Ele atende por ordem de chegada até as 17h.”

Quem manda um WhatsApp para o telefone da clínica recebe automaticamente uma mensagem com informações de parcelamento de cirurgias — é possível pagar um procedimento em até dois anos, com juros. Tudo antes de o médico ver o paciente pela primeira vez. A prática também é vetada pelas normas do Conselho Federal de Medicina.

Veja este vídeo no YouTube

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Valter Hugo Chaves foi procurado pelo BuzzFeed News para falar sobre sua conduta nas redes sociais. Visualizou e não respondeu mensagens de WhatsApp e não atendeu a ligações.

Novas regras

“A preocupação com a mídia social é o alcance: é muito mais rápido”, diz Lavínio Nilton Camarim, presidente do Cremesp. O conselho paulista recebe dezenas de denúncias feitas por outros médicos, pelo Ministério Público, por pacientes ou por funcionários de hospitais. “Esse número de denúncias se mantém relativamente constante”, diz o presidente, que também lidera a Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos, criada para tratar desses casos.

O grupo chama o médico infrator para uma conversa. Dá um prazo de 30 ou de 60 dias para adequar seu uso de redes sociais. “A grande maioria é falta de conhecimento. São médicos mais jovens. Mas temos aqueles que infelizmente são reincidentes e continuam na casa, até que são julgados”, diz o presidente do conselho paulista.

Mas, por se tratar de um fenômeno relativamente recente, as regras de conduta médica nas redes sociais ainda não estão 100% claras.

Claudio Dias, médico que atende em Recife e em São Paulo, usa seu Instagram como ferramenta de divulgação. “Começou como uma coisa pessoal. As pessoas foram pedir esclarecimentos”, diz o médico, que oferece tratamentos estéticos que prometem ajudar a resolver problemas como flacidez das pálpebras e axilas escuras.

Ele patrocina seus posts, que tendem a ser desenhos, e tem pouco mais de 50 mil seguidores. Em uma análise inicial, o Cremesp afirmou que seu perfil viola algumas diretrizes, mas disse que precisaria de uma denúncia formal para elaborar um relatório.

O médico diz acreditar que age dentro das regras. “Eu faço tudo dentro dos limites da ética e das orientações do conselho. Não entramos em casos específicos, não dou diagnóstico, não passo valores nem faço promoções”, diz Dias.

O perfil de Instagram, ele diz, é para esclarecer que há alternativas para mudar o que desagrada no corpo. “Eu entendo o papel modelador do conselho. Eles têm de controlar a propaganda. Mas os pacientes se sentem mais acolhidos com esse tipo de contato.”

Em uma coisa, tanto o médico quanto o presidente do conselho concordam. Ambos, em um dado momento da entrevista, usaram a exata mesma frase: “A comunicação mudou.” Resta agora delimitar as novas regras.

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