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Centenas de professores universitários não estão ganhando NADA para dar aula

Faculdade faz até concurso para contratar professores que vão dar aula de graça. Associação de docentes diz que os não pagos chegam a 10% em universidade pública.

“Sou professor universitário. Mas um estagiário ganha mais do que eu. E deve ser mais respeitado do que eu também”, diz um profissional da área de humanas que, com um mestrado completo, dá aula de graça em uma universidade pública em Minas Gerais.

O pesquisador se ofereceu para voluntariado na Universidade Federal de Ouro Preto, onde começou a lecionar quatro horas por semana no começo de 2018. “Eu precisava de experiência, se quisesse engatar um bom doutorado, ou ser contratado por outra faculdade ganhando um salário, que é o meu sonho”, afirma ele, que pediu anonimato por não querer ser demitido da função.

O uso de mão de obra gratuita se tornou explícito na UFOP quando a Associação dos Docentes da Universidade Federal de Ouro Preto pediu uma reunião com a reitoria da instituição, semanas atrás, para tratar do assunto. “A questão aqui é muito clara. Faz parte do processo de precarização da educação”, diz André Meyer, professor do curso de serviço social e presidente da ADUFOP.

“Não somos os Amigos da Escola. Somos profissionais da educação. No dia a dia, cotidiano, tem de receber salário adequado para trabalhar. Se essa moda se alastra, logo não vai haver mais professor pago”, diz Meyer.

Um levantamento feito pela associação mostra que a taxa de professores voluntários na universidade mineira vai de 8% a 10%, dependendo do semestre. Na conta da associação, mais de 80 profissionais dão aula sem receber nada por isso.

A administração da faculdade contesta esses números. A UFOP afirma que há 17 professores voluntários com contrato vigente. “Foram 115 professores voluntários cadastrados desde que o sistema de controle foi implementado – profissionais que já atuaram na UFOP voluntariamente e podem ser chamados de volta caso haja a necessidade”, diz a universidade em nota. O total de professores, entre efetivos e substitutos, é de 1.012 profissionais (sem contar os voluntários), o que soma pouco mais de 1% de professores não pagos no quadro.

O órgão de ensino afirma que está trabalhando “para que essa mão de obra seja utilizada apenas em casos específicos e esporádicos e cuidando para que não seja substitutiva à de professores efetivos”. A UFOP também afirma que uma nova norma para professores internos está sendo elaborada.

“Virou regra"

A lei 9.608, de 1998, criou a figura do professor universitário voluntário. O texto permite “a atividade não remunerada prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou a instituição privada de fins não lucrativos que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência à pessoa”.

Mas há mau uso desse dispositivo, afirmam especialistas. “O voluntariado na universidade era para ser um dispositivo de exceção. Esse tipo de voluntariado foi criado para quando há um curso baseado em uma pesquisa extraordinária e que ainda não tenha entrado na academia. Mas o que se vê por aí é que virou regra. Tem professor voluntário dando matéria básica da graduação”, diz o advogado Carlos Sá, especializado em questões trabalhistas.

A lei não limita o número de professores voluntários dentro de uma faculdade.

“Foi um bom período”

Cada universidade elabora suas próprias regras para contratar voluntário. Em algumas, é possível pedir reembolso de despesas com transporte e material de aula; em outras, nem isso. Na teoria, o processo seletivo teria de ser igual para todas: é preciso apresentar um projeto de pesquisa e a minuta de um curso de um ou de dois semestres para se tornar professor voluntário.

E isso acontece na prática, em instituições como a Universidade Federal do Espírito Santo, dizem voluntários que passaram por lá.

O gerente de projetos Wagner Resende, 32, deu aula gratuitamente na UFES por um ano e avalia a experiência como positiva.

Resende foi convidado a dar aula quando estava mostrando sua pesquisa sobre gerenciamento de documentos físicos e eletrônicos, num seminário na Bahia. Mas, como não havia vagas e o processo de contratação era lento e burocrático, entrou como voluntário.

O curso era baseado em sua pesquisa, e despertou interesse. “Tinha 40 alunos e recebi até e-mail de gente de outro Estado querendo ver a aula. Foi um bom período”, diz. Ele deu quatro horas semanais de aula para cursos como, biblioteconomia, arqueologia e administração.

“Foi cansativo, mas valeu a pena”, diz ele, que trabalhava à noite, dormia de manhã e dava aula à tarde. A experiência, ele acredita, o ajudou a passar no mestrado.

Concurso para voluntário

Mas há instituição abrindo concurso para preencher vagas de professores voluntários que vão ensinar temas gerais, e não seu trabalho de pesquisa.

O Instituto Federal do Tocantins abriu, só nos últimos meses, 11 vagas para professores voluntários. As áreas de atuação vão de biologia a matemática, passando por filosofia e língua inglesa.

No edital das vagas, há até critérios para desempate, caso houvesse mais candidatos do que vagas. Quem tivesse doutorado ganharia dois pontos; quem fosse mestre, um ponto. Se o candidato tivesse publicado um livro ou assinasse um capítulo de um livro, ganharia 0,25 ponto. Por mais que a seleção possa parecer severa para uma vaga que não paga, três pessoas se inscreveram.

O IFTO foi procurado pelo BuzzFeed News por mais de um mês para comentar o processo seletivo para professores voluntários, mas não respondeu aos e-mails nem às ligações.

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