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Afinal, assédio sexual é crime?

O que a lei brasileira considera "assédio sexual"? Mais do que isso: é possível punir alguém na Justiça por esta prática?

Muitas pessoas associam o assédio sexual a uma prática criminosa, como mostrou recentemente uma pesquisa do BuzzFeed Brasil com seus leitores e leitoras.

Ao completarem a sentença "Assédio sexual é..." mais de 10% dos participantes escolheram a palavra "crime" ou variações (ex: prática criminosa).

No entanto, o que a lei brasileira considera "assédio sexual"? Mais do que isso: é possível punir alguém na Justiça por esta prática?

Para responder a estas dúvidas, o BuzzFeed Brasil conversou com a advogada Marina Ganzarolli, cofundadora da DeFEMde - Rede Feminista de Juristas. Ganzarolli explicou como o atual conceito penal e jurídico de assédio sexual na lei brasileira "está defasado".

De acordo com ela, se, de maneira geral, as pessoas consideram o assédio sexual como "qualquer constrangimento libidinoso, ou seja, de caráter sexual, em que não há o consentimento de uma das partes envolvidas", na letra da lei, só é considerado assédio sexual um constrangimento de cunho sexual que ocorre com frequência e que parte de um superior hierárquico (por exemplo, de um chefe ou professor). Ou seja, se seu colega de trabalho passar a mão em você uma vez, não é considerado assédio sexual pela lei. E mesmo se ele fizer com frequência, mas não tiver um cargo maior que o seu, também não será.

Assim, condutas que para a sociedade são consideradas assédio sexual costumam ser encaixadas nas definições de outros crimes e contravenções na Justiça.

Para citar alguns exemplos: importunação ofensiva ao pudor, perturbação à tranquilidade, constrangimento ilegal, injúria, difamação, calúnia, violação sexual mediante fraude, lesão corporal à integridade psíquica e ameaça.

Segundo Ganzarolli, ainda que em 2009, com o término da figura do atentado violento ao pudor, a definição legal de estupro tenha passado a abarcar todo constrangimento sexual sem consentimento – inclusive para entender práticas sexuais que iam além da penetração – ainda existe uma disputa de compreensão e interpretação jurídica em torno do termo.

"Não é um ciência exata. Já houve desembargador que considerou estupro o que em outra instância tinha sido considerado 'beijo roubado' e juiz que considerou importunação ofensiva ao pudor uma ejaculação no pescoço de uma mulher dentro do ônibus. Temos que considerar isso tudo, que o Judiciário, o promotor, o juiz, o delegado… o próprio sistema não está apartado da sociedade, está em uma sociedade em que o machismo, o racismo, a LGBTfobia são estruturais e estruturantes. Assim, eles também reproduzem desigualdades", diz.

Na maioria dos casos, ações judiciais de assédio sexual (tanto do que é considerado assédio sexual pela lei, quanto do que é considerado pela sociedade como assédio e é encaixado em outras definições legais fora estupro) são tratadas em juizados especiais criminais – órgãos que lidam com infrações consideradas de menor potencial ofensivo – e, por terem penas muito baixas, resultam em simples pagamento de multa pelo agressor.

Por isso, diz Ganzarolli, processos criminais por assédio costumam ser muito desgastantes para as vítimas e não levam à condenação esperada. "As condenações são baixíssimas, pois a maioria dos casos acontece a quatro paredes, então fica a palavra de um contra o outro – muito raramente há vídeo e gravações", explica.

Mesmo assim, a advogada lembra que são exatamente os casos levados à esfera penal que ajudam a ampliar a compreensão dos conceitos em torno da violência sexual pela Justiça.

Ganzarolli lembra como, no início, a lei Maria da Penha não era aplicada para casos envolvendo namorados, apenas maridos, o que só mudou depois que mais mulheres apresentaram suas queixas na Justiça.

Sabendo disso, o que você pode fazer em casos de assédio?

Ganzarolli recomenda que a vítima ligue para o 180 (Central de Atendimento à Mulher, serviço público, gratuito e disponível 24 horas, 7 dias por semana) para obter as primeiras orientações. Depois, ela pode fazer um boletim de ocorrência na Delegacia da Mulher mais próxima, mesmo que mais tarde não decida entrar na Justiça contra o agressor.

"Após a identificação do agressor, a pessoa tem seis meses para abrir uma ação judicial. Estamos lutando para que esse prazo aumente no futuro, pois hoje é muito curto", diz a advogada. Ao fazer o B.O., a pessoa não se compromete a entrar na Justiça (e o agressor não será notificado), mas pelo menos o caso ficará registrado, caso haja reincidência.

Se, nestes seis meses, a pessoa decidir abrir uma ação, há dois caminhos: o penal e o da esfera civil.

Muitas vezes, segundo a advogada, buscar reparação na esfera civil, em que há pagamento de indenização, dá um senso maior de que a justiça está sendo feita. "O resultado não será cadeia, mas talvez o pagamento da sua terapia, do seu psiquiatra, do curso que você deixou de freqüentar por conta do trauma do assédio", diz Ganzarolli.

Para isso, a pessoa deve contratar um(a) advogado(a) ou entrar em contato com a Defensoria Pública de sua região, que geralmente conta com núcleos específicos para violência de gênero.

Caso persistam as dúvidas, as vítimas, além do 180, também podem recorrer a coletivos feministas de advogadas, como o Tamo Juntas e a própria Rede Feminista de Juristas e Advogadas Feministas.

Nem todas as mulheres optam por entrar na Justiça contra seus agressores, e é importante não culpá-las por isso.

“O tempo da Justiça não coincide com o tempo que a mulher precisa para lidar com tudo isso”, explica a psicóloga Paula Prates, integrante da diretoria da ONG Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde.

“A violência é um fenômeno complexo, multideterminado. E, para lidar com ela, existem diferentes abordagens. Há as que vão pela saúde, pela assistência, pelo jurídico, pela educação... É preciso reconhecer a complexidade do fenômeno e entender que, o que uma mulher considera resolução, como fazer uma denúncia criminal, pode não ser para outra."


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