O que o Brasil está fazendo para evitar um atentado no Rio

Depois do ataque de Nice, governo está revisando plano de segurança da Olimpíada. Entenda como um terrorista sozinho e com pouca tecnologia virou o pesadelo da segurança.

Anne-christine Poujoulat / AFP / Getty Images

O atentado terrorista que deixou 84 mortos em Nice levou o governo brasileiro a anunciar uma revisão completa do plano de segurança para a Olimpíada do Rio.

Com o ocorrido na França, o temor é que um evento com delegações de 206 países e transmitido para mais de 1 bilhão de pessoas se transforme no cenário perfeito para um ato extremista de repercussão global.

O governo brasileiro voltou a negar que tenha conhecimento de uma concreta de ataque no país.

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José Cruz / Agência Brasil / Via Fotos Públicas

As medidas foram anunciadas pelo general Sergio Etchegoyen, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional. O GSI abriga a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e é um dos responsáveis pela estratégia de segurança dos jogos.

Na prática, esta revisão é uma espécie de auditoria de tudo que foi feito até agora para prevenir riscos às delegações e as pessoas que estarão no Rio durante os jogos.

Basicamente, o plano de segurança foi feito e está sendo executado por três ministérios: Gabinete de Segurança Institucional, Justiça (que abrange a Polícia Federal) e Defesa.

O principal centro de coordenação das ações fica no Rio, onde estarão centralizadas informações em tempo real de mais de 30 agências de segurança e de serviços, onde há grandes concentrações de pessoas, como metrô e aeroporto.

As medidas anunciadas foram as seguintes:

  • Auditoria do plano de segurança nos jogos para identificar possíveis lacunas falhas.
  • Maior número de barreiras policiais perto dos locais de competição e lugares de grande aglomeração de pessoas do Rio.
  • Aumento dos perímetros de restrição no trânsito de veículos durante a competição.

Fatores críticos:

#1 O lobo solitário

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Valery Hache / AFP / Getty Images

Entre oficiais de inteligência da Abin e da Polícia Federal, há um entendimento de que o maior risco de terrorismo não vem de uma organização hierarquizada, mas de um tipo de extremista que age sozinho ou em uma célula diminuta, muitas vezes sem uma coordenação externa. É o que chamam de lobo solitário.

Ataques por este tipo de extremista se tornaram as mais comuns nos últimos anos na Europa e nos Estados Unidos. Como agem sozinhos, eles são mais difíceis de serem monitorados pelos serviços de inteligência e conseguem submergir mais facilmente. No geral, usam pouca tecnologia para atacar - como armas leves ou convertendo um caminhão em artefato letal, como ocorreu em Nice.

Um dos meios de identificar possíveis suspeitos é o monitoramento sistemático das redes sociais. É por meio delas que organizações terroristas como o Estado Islâmico distribui propaganda para angariar simpatizantes e recrutar voluntários.

Em maio, a inteligência militar da França revelou o que seria a existência de um plano de um militante brasileiro do Estado Islâmico atacar a delegação francesa no Rio.

A informação, contudo, não foi compartilhada. Nesta sexta (15), durante uma entrevista, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, demonstrou bastante irritação ao voltar a afirmar que a França não repassou qualquer informação sobre o caso.

A direção de contraterrorismo da Abin, responsável por monitorar suspeitos de ligação com grupos terroristas, não nega nem confirma a informação de que haveria ao menos 100 pessoas sob investigação por risco de extremismo no país.

Um físico expulso do Brasil - Na sexta, segundo revelou a revista Época, o governo brasileiro revogou o visto de trabalho do cientista franco-argelino Adlène Hicheur, que já havia sido condenado na França em um processo envolvendo uma suposta ligação com terrorismo.

Em 2009, Hicheur, um físico especializado em partículas elementares, foi preso após trocar mensagens pela internet com alguém que seria um representante da Al-Qaeda na na Argélia. A identidade do suposto interlocutor jamais foi revelada no processo e o professor ficou quase três anos em um regime de prisão provisória.

Cientistas do mundo inteiro protestaram contra o processo e, em 2012, após ser condenado a 4 anos de prisão (a maior parte cumprida em regime provisório desde 2009), ele foi libertado. Ele partiu para o Brasil onde passou a trabalhar como professor-visitante da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) desde 2014.

O governo brasileiro sabia da condenação quando deu o visto de trabalho para ele em 2012. A reitoria da UFRJ protestou contra o ato e disse que ele seria deportado na noite de sexta (15).

#2 Falta de familiaridade do brasileiro com risco de terrorismo

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Um pacote abandonado num vagão de metrô provoca reações imediatas em cidades como Paris, Londres e Nova York. O aviso à segurança e o isolamento imediato do local são medidas que acontecem em questão de segundos porque a população de cidades que já foram alvos de ataques terroristas.

Periférico, o Brasil nunca esteve no mapa do terrorismo internacional. Agora, a Olimpíada tornou o Rio visado pelo grande número de delegações estrangeiras e turistas que vai receber. Apesar disso, o país não conseguiu estabelecer um protocolo claro de como a população deve agir diante da suspeita de terrorismo.

Em países que já sofreram atentados existe um sistema de classificação de risco. Na França, existe o Vigipirate, um plano de segurança nacional que cruza os dados de ameaças com as vulnerabilidades do país e depois os classifica em um sistema de cinco cores que vai do branco (ameaça nenhuma) ao escarlate (risco máximo de um grande ataque).

Para cada um dos pontos da escala, há um protocolo a ser seguido de ações coordenadas de inteligência, segurança pública, coordenação de serviços de resgate. O aumento do risco é informado pelas autoridades à população.

No Brasil, não existe um plano que informe e engaje a população. A Abin lançou uma campanha publicitária em redes sociais este mês para estimular as pessoas a avisarem ao segurança mais próximo, se percebessem, em locais de aglomeração, pessoas com o comportamento suspeito.

Indícios como roupas destoantes do clima (capazes de esconder artefatos) ou nervosismo deveriam ser reportados.

Por causa da generalidade, os alertas da Abin geraram uma epidemia de memes em redes sociais e receberam críticas internas de outros integrantes do plano de segurança dos jogos (notadamente, de integrantes da Polícia Federal).

O BuzzFeed Brasil apurou que a PF treinou civis que vão trabalhar em locais de grande aglomeração durante a Olimpíada para acionar o centro integrado de segurança por meio de um aplicativo de celular.

O número destas pessoas - como funcionários de empresas de transportes e pessoas que vão trabalhar diretamente nos jogos - é mantido em segredo.

O treinamento, de acordo com uma fonte que trabalhou no sistema, incluiu identificação de riscos.

Na sexta (15), o ministro da Defesa, Raul Jungmann, disse em entrevista que haverá agentes de segurança infiltrados entre os torcedores durante as competições.

O que é e como funciona o plano de segurança da Rio 2016:

Inteligência

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Graciliano Rocha / BuzzFeed Brasil

Muitos ataques terroristas são evitados antes de acontecer graças ao trabalho de oficiais de inteligência.

Durante a Olimpíada, haverá agentes distribuídos em 8 centros de inteligência: o centro principal no Rio, um em Brasília e os escritórios nas cinco cidades onde haverá competições de futebol.

O último é um centro no Rio que vai funcionar para receber oficiais de mais de 100 serviços de inteligência estrangeiros. Neste caso, os agentes visitantes são apenas oficiais de ligação, que têm a missão de repassar informações de eventuais ameaças detectadas pelos seus respectivos países e receber dados repassados pelos governos brasileiros.

O dispositivo da Rio 2016 já tem, por exemplo, uma lista de potenciais extremistas enviados por serviços de segurança dos Estados Unidos e Europa.

Falando na condição de não serem identificadas, duas fontes - um alto oficial da Abin e um agente da inteligência da Polícia Federal que trabalha no plano de segurança - admitiram que o país vai atrair durante a Olimpíada operadores dos serviços clandestinos de agências estrangeiras.

Tratam-se de agentes que chegam ao país sob a cobertura de disfarces como turistas, profissionais ou membros de delegações estrangeiras para identificar riscos a cidadãos de seus países de origem.

Segurança Pública

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Mario Tama / Getty Images

Além de 62 mil policiais militares que deverão fazer policiamento nas ruas durante a competição, a cidade receberá o reforço de outros 5.000 policiais de outros estados, além de militares.

Antes do risco de terrorismo, a questão da segurança pública já era um ponto crítico no Rio.

O Brasil ostenta a taxa de homicídios mais alta (24,8 homicídios por 100 mil habitantes) entre os países que sediaram os jogos na história recente. A taxa do Rio (18,6/100 mil) é mais baixa que a média nacional, mas os dados são preocupantes.

Quando o Rio ganhou o direito de ser sede olímpica em 2009, a pacificação das favelas suscitava esperança com a ocupação pelo Estado de áreas dominadas pelo crime, mas a política veio perdendo apoio em meio a relatos de abuso policial nos últimos anos.

Com o Estado do Rio atrasando salários de policiais, o governo do presidente interino Michel Temer teve de liberar uma ajuda emergencial de R$ 2,9 bilhões.

Defesa

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Tasso Marcelo / AFP / Getty Images

Incluindo a Força Nacional de Segurança, haverá 22.800 militares do Exército, Marinha e Aeronáutica reforçando a segurança nas ruas e locais de grande concentração de pessoas.

É este contingente extraordinário que permitirá, por exemplo, a multiplicação de checkpoints pelo Rio.

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Tasso Marcelo / AFP / Getty Images

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