O que está por trás da horrível cena de linchamento em "Infiltrado na Klan"

A cena é uma referência a um dos episódios mais doentios e monstruosos da era de segregação racial nos EUA. (Atenção: este post contém spoilers do filme)

Focus Features

Adam Driver e John David Washington em Infiltrado na Klan

Parte do impacto do novo filme de Spike Lee, Infiltrado na Klan, é o fato de sua história ter raízes em eventos reais.

No fim dos anos 1970, um detetive negro de Colorado Springs chamado Ron Stallworth (interpretado por John David Washington no filme) realmente se infiltrou no comitê local da Ku Klux Klan, convencendo seus membros por telefone de que era branco. Então, para encontros presenciais, Stallworth enviava um colega policial branco (interpretado por Adam Driver) para interpretá-lo. Stallworth também manteve contato por telefone com David Duke, diretor da KKK, e foi designado para seu aparato de segurança quando o supremacista visitou Colorado Springs.

É por isso que Lee abre o longa com um intertítulo indicando que Infiltrado na Klan é baseado em fatos reais.

Ainda assim, uma das cenas mais impactantes do filme não ocorreu – pelo menos não nos anos 1970. Na verdade, é uma referência a um dos episódios mais doentios e monstruosos da era de segregação racial nos EUA.

As versões iniciais do roteiro de Infiltrado na Klan incluíam uma cena na qual o Stallworth "branco" passava por uma cerimônia de iniciação na Klan. Lee e o corroteirista Kevin Willmott (Chi-Raq) queriam levar à cena "os detalhes do que a Klan realmente é e o que ela realmente faz", segundo declaração de Willmott ao BuzzFeed News.

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Focus Features

O diretor Spike Lee com Topher Grace e Driver no set de Infiltrado na Klan.

Imediatamente, Willmott pensou na epidemia de linchamentos que invadiu o país no fim do século 19 e início do século 20. Então, escreveu uma cena na qual a cerimônia da Klan é entrecortada por uma sequência na qual um ativista negro — interpretado no filme pelo ícone dos direitos civis Harry Belafonte — visita a união local dos estudantes negros e compartilha sua experiência como testemunha do linchamento real de Jesse Washington.

Em 15 de maio de 1916, Washington, um trabalhador agrícola de 17 anos, foi condenado pelo estupro e assassinato de uma mulher branca em Waco, Texas.

Após o veredito ser declarado, ele foi arrancado do tribunal por uma multidão. Uma corrente foi amarrada em seu pescoço. Ele foi atacado com tijolos e facas, pendurado em uma árvore próxima à prefeitura de Waco, castrado, repetidamente levantado e abaixado sobre uma fogueira e, finalmente, queimado vivo. Cerca de 15.000 pessoas assistiram ao linchamento. A polícia não fez nada para impedir.

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A cobertura da imprensa chamou o linchamento de "Horror de Waco". Apesar de, na época, fotografias do evento terem sido vendidas como cartões postais, os detalhes do que ocorreu caíram no esquecimento nas próximas décadas.

Fred Gildersleeve / Library of Congress

Fred Gildersleeve / Library of Congress

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"Houve muitos linchamentos nos Estados Unidos", disse Willmott. "O linchamento em Waco é um dos mais horríveis da história americana. (...) A foto de Jesse Washington é uma que se vê frequentemente, mas cuja história ninguém conhece. Esse foi um dos motivos pelos quais a escolhemos."

Willmott disse que queria uma "contranarrativa" à narrativa de pureza racial branca da Klan, para mostrar as últimas consequências do discurso de supremacia branca. O linchamento de Washington, segundo ele, "diz qual é o resultado de tudo o que eles falam. É aí que termina."

Também é um momento em que Infiltrado na Klan amplia seu escopo para demonstrar como a supremacia branca violenta não se limita apenas à Klan. Cerca de metade da população de Waco teria testemunhado o linchamento de Washington. "Esse foi o padrão: a cidade sabia disso, e, de fato, a cidade abraçou aquilo tudo," disse Willmott. "Foi um evento público."

David Lee / Focus Features

Harry Belafonte em Infiltrado na Klan

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Hoje, as pessoas podem se perguntar como algo assim foi aceitável. Para Willmott, a resposta é simples: "Era bastante normal — na época."

Para Willmott, os impulsos subjacentes que permitiram a normalização dos linchamentos ainda estão vivos. Lee optou deliberadamente por lançar o filme no aniversário de um ano das passeatas racistas em Charlottesville (EUA), que resultaram na morte de uma pessoa; inclusive, ele termina o filme com vídeos dessas marchas, incluindo os elogios de David Duke ao presidente dos EUA, Donald Trump.

"Há várias conexões com o que está ocorrendo hoje – muitas coisas bizarras e insanas estão sendo aceitas," disse Willmott. "Também no futuro olharemos para os dias de hoje e perguntaremos: como pudemos aceitar esse tipo de comportamento como normal?"

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A tradução deste post (original em inglês) foi editada por Luísa Pessoa.

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